Editorial
O futuro também é analógico
A ausência dos pequenos ecrãs nos corredores e recreios, reavivou a empatia, o convívio e até a criação de laços de amizade entre estudantes que antes se desconheciam
Num mundo alicerçado cada vez mais nos avanços do universo digital, eis que surgem nas nossas escolas alguns sinais de abrandamento na corrida em ambiente virtual. No ano lectivo que agora vai começar, há pelo menos dois exemplos de recuo tecnológico, que revelam não propriamente um retrocesso, mas o resultado de uma reflexão sobre o verdadeiro papel da escola e os efeitos do excesso de tecnologia nos processos de aprendizagem e socialização.
Comecemos pela proibição do uso de telemóveis nos recintos escolares dos 1.º e 2.º ciclos. Os testemunhos de directores, pais e alunos das escolas onde esta medida já havia sido adoptada, revelam que a ausência dos pequenos ecrãs nos corredores e recreios, reavivou a empatia, o convívio e até a criação de laços de amizade entre estudantes que antes se desconheciam.
No início, houve quem temesse resistência à mudança. Mas com o decorrer do tempo, os ganhos superaram as expectativas: registaram-se menos casos de ciberbullying, aumentaram as actividades ao ar livre, multiplicaram-se as conversas e os sorrisos. Se por um lado o telemóvel era encarado como um porto seguro para alguns pais e crianças, percebeu-se, que afinal, essa dependência tinha mais de prejudicial do que protectora, ao substituir a proximidade real pela falsa sensação de controlo digital.
Também no que respeita aos manuais escolares, grande parte das escolas da nossa região decidiram pelo travão ao digital. O Ministério da Educação deu liberdade de escolha aos estabelecimentos de ensino a partir do 2.º ciclo, mas, por cá, a opção generalizada recaiu pela manutenção dos manuais em papel.
Explicam os directores que, ao contrário do que se antecipou, o digital não trouxe ainda vantagens assim tão evidentes nas aprendizagens. Admitem que esse pode ser o caminho a seguir, após aperfeiçoamento técnico e logístico, mas para já, e sem ponta de conservadorismo, continuam a preferir o recreio com gargalhadas, corridas, saltos e chutos na bola, e as salas de aula com o som único e característico do folhear dos livros.