Editorial

Os médicos que nos faltam

16 jun 2022 12:00

Uma simples amigdalite pode, no pior cenário, obrigar-nos a ir à urgência hospitalar

O problema não é novo, infelizmente, mas nunca é de mais falar sobre ele, apesar de sabermos que nem por isso será resolvido.

A falta de médicos, seja nos cuidados de saúde primários seja nos hospitais, é um cenário que se repete ano após ano, para nosso infortúnio.

Os centros de saúde deviam ser o local privilegiado ao qual se recorre quando surge um problema.

Mas mesmo tendo a sorte de ter médico de família – não nos esqueçamos que há milhares de portugueses que não o têm – nem sempre conseguimos resolver a situação.

Uma simples amigdalite pode, no pior cenário, obrigar-nos a ir à urgência hospitalar, o que naturalmente ninguém deseja.

É que as Unidades de Saúde Familiar e centros de saúde não funcionam aos domingos e feriados.

Certo é que, mesmo que funcionassem, provavelmente não teriam os médicos necessários para assegurar as consultas.

Soube-se esta terça-feira que as urgências de ginecologia/obstetrícia do Hospital Garcia de Orta, em Almada, iriam estar encerradas entre as 20 horas desse dia e as 8 da manhã de ontem.

Já na semana passada tinham estado fechadas devido à falta de pessoal médico.

Anteontem ficou igualmente a saber-se que o Ministério Público instaurou um inquérito à morte de um bebé no Hospital das Caldas da Rainha, ocorrida na quarta-feira da semana passada, quando a urgência de obstetrícia se encontrava encerrada, alegadamente por falta de obstetras.

Embora o Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Oeste tenha, em comunicado divulgado sexta-feira, considerado “prematuro estabelecer qualquer relação de causa-efeito entre o encerramento da urgência obstétrica e o referido episódio”, não é exagerado supor que se houvesse médicos na urgência o desfecho poderia ter sido bem diferente.

Luís Graça, antigo director de obstetrícia do Hospital de Santa Maria, defende, entre outras medidas, que após terminarem o internato da especialidade, os médicos deviam ser obrigados a permanecer "dois ou três anos" no Serviço Nacional de Saúde.

Obrigar poderá não ser a solução, pelo menos a longo prazo.

Se o SNS não oferecer aos médicos perspectivas de carreira e salários atractivos, dificilmente o cenário mudará.