Opinião

Os tesouros nacionais

10 mar 2023 11:33

Segundo consta, o património promove a inclusão, o sentido de pertença e identidade. Mas para nós, portugueses, isso pouco parece importar

Uma visita ao Museu do Tesouro Real, no Palácio da Ajuda, é uma surpresa. Um tesouro magnífico, deslumbrante mesmo. Que não esperaríamos fosse tão rico, habituados que fomos à ideia que o terramoto de 1755, as invasões francesas, o desleixo geral do liberalismo, o fim da monarquia, as vendas em leiloeiras internacionais, os roubos, nos tinham tirado definitivamente a possibilidade de ver um tesouro com esta envergadura e integridade. Esta exposição é um espanto!

E o tesouro que nos é mostrado numa das  “maiores caixas-fortes do mundo” é , ao mesmo tempo, magnífico e… demasiado ofuscante! Ao ponto de sairmos de lá com a impressão que o que prevaleceu nas opções expositivas do tesouro patente na caixa-forte, foi uma “encenação” feérica, demasiado reluzente. Demasiado autoral.

Saímos de lá com essa sensação estranha de estarmos empanturrados de design e “encenação”, mas sequiosos, ainda, de poder apreciar as joias do tesouro ao natural.  (Lembrei-me de um encontro promovido pela Embaixada de Inglaterra, há cerca de 9 anos,  sobre museus, centros de interpretação e afins. Um arquiteto inglês, CEO de uma das mais reputadas empresas mundiais nesta área, dizia, sem rebuços, que, neste contexto, todo o projeto expositivo onde prevaleça o design puro e duro é um projeto frustrado, por natureza).

E porque quando vi a caixa forte do tesouro real a associei, nos meus modestos conhecimentos de design contemporâneo, às “Salas de Chá” do japonês Shigeru Ushida, lembrei-me do que o investigador Jean-Yves Durand nos havia chamado a atenção, numa aula de pós-graduação, sobre a cultura japonesa, a propósito de património cultural.

Para os japoneses, os grandes tesouros nacionais são as pessoas, os anciãos que mantêm vivo e transmitem às novas gerações os saberes tradicionais: o saber da construção das espadas, por exemplo, da porcelana e cerâmica, o saber da carpintaria e da marcenaria, o saber da gastronomia, dos instrumentos musicais tradicionais.

Para manter e transmitir esses saberes a sociedade japonesa, os governos, as instituições públicas e privadas, as empresas, estão disponíveis para os apoiar em larga escala, sem qualquer reserva. Tal como se protegessem verdadeiros tesouros reais. 

Esta consciência, que para nós, infelizmente, tem sido estranha e alheia, vai a par duma educação também focada, desde tenra idade, na apreciação do património (material e imaterial) e, por consequência, na visita massiva dos jovens aos museus e monumentos, às exposições artísticas, aos centros de interpretação.

Sempre diremos, para nosso descanso, que os japoneses e a sua cultura são mesmo assim. Que nós somos diferentes. E é bem verdade. Mas também os ingleses são diferentes e os nórdicos são diferentes, porque os naturais, crianças e jovens, visitam os seus museus e monumentos em grande escala e porque as chamadas “artes tradicionais” são apreciadas e valorizadas.

Segundo consta, o património promove a inclusão, o sentido de pertença e identidade. Mas para nós, portugueses, isso pouco parece importar.