Opinião

Para 2025, deixa de lado o “olhar de lado”

31 jan 2025 16:21

Compreendo que doa encarar de frente realidades duras, mas nada se compara à dor daquele que sente na pele a privação de tudo

Janeiro, mês dos recomeços e das resoluções. Que metas traçaram para este novo ciclo que há 30 dias começou? Nunca fui de introduzir mudanças no início do ano, nem de me despedir ou desfazer de velhos hábitos, desejo apenas, intensamente, que os meus cá estejam mais 365 dias, são e salvos. No entanto, há uma mudança que nos implica a todos que gostaria que imperasse.

Estive há dias em Lisboa, onde, infelizmente, vi várias pessoas em situação de sem abrigo. As desigualdades sociais sempre me feriram, o básico e o seguro deviam ser intocáveis e a impotência que sinto entristece-me profundamente. Contudo, não foi o confronto com esta realidade que me tocou nas entranhas, foi antes o desprezo e a falta de empatia por quem nada tem.

O que fazem quando alguém se vos dirige diretamente e fala convosco? Fingem que não ouvem ou dão-lhe a atenção devida? Não digam por favor que depende da pessoa e da roupa que traz vestida. Todos merecemos uma palavra e um olhar intencionais. São ambos gratuitos. Não peço moedas que não queremos ou podemos dar, mas que não se ignore a presença e a voz de quem ajuda pede.

Compreendo que doa encarar de frente realidades duras, mas nada se compara à dor daquele que sente na pele a privação de tudo. A pobreza extrema vai muito além da escassez de recursos materiais. Assume-se como um cenário de privação multidimensional que leva à exclusão social e coloca em risco direitos fundamentais. Responder e olhar nos olhos quem nos interpela é o mínimo que podemos fazer.

Nenhuma das cinco pessoas que aguardava mesa num famoso restaurante lisboeta desfez a indiferença ou interrompeu por um momento a conversa que mantinha para olhar e responder a um senhor que as abordou. Não consigo digerir isto, tamanha a vergonha que sinto pelo desdém e preconceito.

Tinha bastado um “não”, um acenar de cabeça até. O senhor seguiu invisível, inaudível, desconsiderado, miserável na sua existência. Que a impotência, habituação ou crença numa solução sistémica não nos desumanize.

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990