Opinião

Queremos mesmo comunicar?

24 ago 2024 11:32

O problema é que a normalidade do mundo, hoje, é a loucura completa que nos avassala

Meu Caro Zé,
Como é hábito em agosto, as férias obrigam-me a escrever-te mas só “recebes” esta missiva umas semanas mais tarde. Gostaria de dizer, como antigamente, que é a silly season que aproveitamos para não nos preocuparmos demasiado com a normalidade das coisas. O problema é que a normalidade do mundo, hoje, é a loucura completa que nos avassala. Mas é, por isso mesmo, bom que procuremos uns momentos de libertação do espírito.

Neste caso faço-o para pensar no que é a comunicação hoje, quer a escrita, quer a oral. A escrita tem levado uma revolta completa, muito em consequência dos telemóveis que hoje já se chamam, e bem, smartphones, porque pouco se telefona neles. Em contrapartida, enviam-se mensagens com nova linguagem, com palavras truncadas e, sobretudo, os emojis, que eu não consigo perceber e, por isso, não uso, nem sei interpretar, pois não sei se choram, se riem, se aplaudem ou vaiam.

Acresce a isso, mesmo já na linguagem dita científica, o uso sistemático dos ubíquos acrónimos que, cada um deles, representa várias coisas ou instituições, sendo bem aproveitado pelos motores de busca para nos porem à frente aquilo que lhes convém, perante o nosso desespero de encontrar o que queremos, para além, é claro, da perturbação que sofremos durante a leitura de um texto.

Mas, pior que isso, é, para mim, a nova moda dos comentadores que por aí proliferam e que, quase sistematicamente, introduzem o seu comentário (ou resposta a uma pergunta) com um “Eu diria”. Mas “diria” não é o condicional de “dizer”? Mas então, qual a condição que está por detrás da sua resposta? Toda e qualquer uma? Assim, formalmente, nunca falham (podem dizer que a condição implícita na sua resposta não se verifica), mas, então, a sua resposta tem uma contribuição reduzida ou nula para a avaliação da questão em causa.

Tudo isto configura afinal um processo real de confusão na comunicação que se alia às fake news crescentemente presentes e que não serão alheias à situação do mundo.

Só que, e isso raramente faz parte da comunicação social, no dia a dia do mundo, há atos de abnegação e solidariedade que vão para além da imagem assustadora que temos e que nos continua a dar esperança.

É tempo de cuidar que a comunicação em lugar de contribuir para a fragmentação e desinformação contribua para um mundo mais solidário.
Até sempre,

Texto escrito segundo as regras do novo Acordo Ortográfico de 1990