Opinião
Residentes Não Habituais: como criar um bode expiatório
O preconceito iliberal anti-capital-estrangeiro trará sempre mais malefícios do que benefícios, afugentando valor acrescentado, descapitalizando o país e alimentando fraturas interclassistas e nacionalistas, adiando-se mais uma vez uma verdadeira reforma.
No início do mês de outubro foi anunciado pelo primeiro-ministro António Costa, numa entrevista, que o regime fiscal dos Residentes Não Habituais (RNH) cessaria a sua vigência a partir de 1 de janeiro de 2024.
Não discutindo se o meio foi o mais idóneo, importa escalpelizar quais as razões que levaram o executivo a precipitar o fim de um regime fiscal no prazo de 3 meses, regime fiscal esse que depende da transferência de residência de pessoas estrangeiras para Portugal, muitas vezes sujeitas à emissão de vistos que demora vários meses.
O regime RNH consiste na aplicação de taxas favoráveis a rendimentos do trabalho e pensões estrangeiras, e isenção de outros rendimentos. Pretendia este regime atrair para Portugal pessoas altamente qualificadas, investimento e geração de valor acrescentado na economia portuguesa.
Em 2022, havia 74.258 pessoas a beneficiar do regime RNH, e Portugal era então visto como um destino atrativo.
No entanto, a crise habitacional precipitou o fim deste regime fiscal, assente na aparente necessidade de contrariar o efeito inflacionante dos RNH no mercado imobiliário. Seria importante então identificar qual o peso dos RNH no mercado imobiliário, sendo que não foram disponibilizados quaisquer estudos nesse sentido.
Análises recentes levadas a cabo por economistas apontam para um contributo de 3%/4% dos RNH para as transações do mercado imobiliário – mínimo, portanto.
E também, por isso, se torna claro que a medida assenta mais num preconceito político do que em dados objetivos, pretendendo-se culpar o “estrangeiro rico” pelos males da habitação em Portugal, ignorando o apport que estes contribuintes oferecem à economia nacional. E a intenção de tornar os RNH no bode expiatório da crise de habitação parece vir em linha com mais um disfarce da ausência de reformas estruturais no setor.
A crise habitacional em Portugal não se deve, pelo menos estruturalmente, aos RNH. Deve-se sim, na base, a um problema crónico de falta de oferta e de reduzido poder de compra da população, que a impede de acompanhar os preços deste mercado.
O preconceito iliberal anti-capital-estrangeiro trará sempre mais malefícios do que benefícios, afugentando valor acrescentado, descapitalizando o país e alimentando fraturas interclassistas e nacionalistas, adiando-se mais uma vez uma verdadeira reforma.