Opinião
Respirar à tona de água
As artes de palco estão a viver um dos mais difíceis momentos da sua já sempre penosa sobrevivência.
Andamos, há um ano, a respirar à tona da água, sobreviventes neste sucedâneo de vida que nos foi imposto.
Lamentavelmente, muitos se afundaram e deles perdurará, para os seus próximos, a memória do nome e da pessoa que o envergava; um número a mais entre outros, para nós que deles falaremos como dado contabilizado nesta memória negra que se vai colando à pele com indelével tristeza.
Nesta luta pela sobrevivência cada um a seu modo vai buscando estratégias e procurando instrumentos para respirar, entre eles as ajudas e apoios, recebidos com gratidão e entendidos como derradeiro recurso. Casos há em que com profunda vergonha pelo estado de miséria a que alguns foram obrigados a chegar.
As artes de palco estão a viver um dos mais difíceis momentos da sua já sempre penosa sobrevivência.
Se não há espetadores não há espetáculo.
Há projetos nos quais muito se investiu e quando puderam regressar aos palcos poderão ter perdido oportunidade, há um perder da interação criativa entre os elementos das estruturas criativas e entre estas e os seus públicos habituais, há um tempo perdido na conquista de novos públicos, há todo um tempo perdido e irreparável.
O apoio à produção das artes no nosso país é escasso, uma quase esmola atribuída a um sector que vem demonstrando ser capaz de rentabilizar o investimento inicial, nem sempre no retorno das verbas despendidas, mas sempre na mais-valia da progressão social.
O diário Público, do passado sábado, destacava na primeira página que os 30 milhões de euros anunciados para salvar o Verão cultural de 2020 ainda não tinham sido atribuídos. Mais à frente esboçam-se razões e esgrimem-se culpas que jamais justificarão a ausência gritante de apoios imediatos aos artistas e técnicos que outras fontes de sobrevivência não têm.
Desconheço o pormenor de cada concelho do país, mas a Câmara de Leiria diferenciou-se – e há que o sublinhar – no que ao acudir de necessidades diz respeito.
Dentro do possível e por diversos meios, tem vindo a apoiar os agentes artísticos locais. “Centro Cultural” é o mais recente exemplo e aqui fica o convite para uma visita virtual.
Mas do que vos queria mesmo falar hoje é de uma pessoa de quem gosto particularmente, Rita Rosa, de seu nome.
Rosto da Associação de Desenvolvimento Cultural “O Alguidar”, na Lapa Furada, onde se faz um teatro de muito boa qualidade e com uma inusitada dose de atrevimento e ousadia.
Pois a minha amiga Rita Rosa desempenha também funções de técnica no Centro de Reabilitação e Integração de Fátima (CRIF), uma Associação que dá resposta a crianças e jovens com deficiência.
Semanalmente recebo dela uma curta-metragem ao jeito dos velhinhos filmes de cinema mudo. Magníficos quatro minutos com uma história sempre mais desconcertante que a anterior, divertidos, editados com um ritmo alucinante e que nos deixa sempre muito, mesmo muito, bem dispostos.
Estes pequenos filmes têm como protagonistas os utentes do CRIF, mas não é por compaixão que estes filmes devem ser apreciados, seria redutor e ofensivo para quem os desenhou e para quem os interpreta.
Deverão ser apreciados, isso sim, pela persistência, exemplo que a criatividade e o bomgosto não estão confinados, que a Arte subsiste e com ela e por ela nos mantemos a respirar à tona da água.
Obrigado, Rita Rosa.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990