Editorial
Somos todos celtas
Poderíamos deixar de ser “rudes”, desunidos e sem coesão, deixar o que é da tasca, na tasca, e forjar a união, sem retóricas bacocas
Com a chegada do tempo quente, num cenário de alterações climáticas, ao ler a entrevista que o presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Leiria, Almeida Lopes, nos concedeu esta semana, vem-nos à memória uma frase batida: “há, nos confins da Ibéria, um povo que nem se governa, nem se deixa governar”. Foi assim que o militar, político e ditador romano Júlio César, que deixou este mundo 77 anos antes de o mais famoso dos judeus se ter banhado no Jordão, descreveu a tribo celta dos Lusitanos, nossos remotos antepassados.
Estrabão retratou-os como guerreiros “rudes”, “desunidos” e sem “coesão política”. Embora o carácter rude e guerreiro seja omnipresente, especialmente, nas conversas de tasca, parece-nos que, infelizmente, a ausência de unidade e de coesão continua a ser o que mais nos caracteriza, quando é preciso união para ultrapassar os desafios que nos saem ao caminho.
Almeida Lopes recorda que, ano após ano, os corpos de bombeiros voluntários lutam contra a falta de recursos, de financiamento e de falta de reconhecimento, contra entraves burocráticos e um sem-fim de questões que quase impedem o auxílio às populações. Recorde-se que estes homens e mulheres são “voluntários”. Repetimos: “VOLUNTÁRIOS”. Quando toca a sirene, largam os empregos e voam em socorro de quem mais precisa.
Já era tempo de resolver o problema do combate aos fogos rurais e, já que estamos a falar nisso, quando é que a palavra “prevenção” vai ter tanta espectacularidade quanto o anúncio dos meios aéreos e no terreno? Quando vamos dar condições às populações e proprietários rurais, que detêm 98% do território, para organizarem e reduzirem a área coberta por plantações de eucaliptos que foram deixadas ao abandono após exaurirem os solos? Ou para aumentarem as zonas de floresta autóctone, que funciona como a esponja que recarrega os aquíferos?
Sabemos, há anos, que é possível rentabilizar esta floresta e retirar mais-valias ambientais e económicas muito superiores às possíveis em ambiente de monocultura. Há desígnios maiores do que o simples ego.
Provavelmente, poderíamos deixar de ser “rudes”, desunidos e sem coesão, deixar o que é da tasca, na tasca, e arregaçar as mangas e forjar a união, sem retóricas bacocas de “o meu lado é melhor e com menos pecado do que o teu”.
Afinal, até ver, ainda somos todos Lusitanos.