Opinião
Spotify vs o povo
Mesmo no mundo do capitalismo selvagem, ainda pode ser o povo quem mais ordena
Muito se tem escrito nas últimas semanas sobre o caso Spotify/Joe Rogan vs Neil Young.
Em finais de Janeiro soube-se que o músico canadiano teria enviado um pedido à plataforma de streaming sueca para que retirasse do ar o podcast The Joe Rogan Experience, acusando o seu autor de permitir a difusão de mentiras sobre as vacinas.
Young foi claro e objectivo: “O Spotify pode ter Rogan ou pode ter-me a mim. Os dois não!”.
Uma posição tomada na sequência de uma carta aberta tornada pública uns dias antes e assinada por 270 cientistas, médicos e outros profissionais da saúde que alegavam que o podcaster teria difundido informações incorrectas sobre a Covid-19 e recebido vários convidados que defendem posições sobre a pandemia consideradas perigosas pelos subscritores da missiva.
O Spotify escolheu Rogan e Neil Young retirou todo o seu catálogo da plataforma (com o apoio da Warner Bros e da Reprise Records, donas dos direitos de licenciamento das músicas do artista).
Não tardaram as sentenças dos choramingas habituais: “Ai a liberdade de expressão”, “Ai mas então agora não se pode dizer nada que é logo negacionismo”…
Enfim, o costume. Não haveria terra suficiente no planeta para enterrar todas as vítimas do marxismo cultural se o marxismo cultural matasse (ou se existisse, vá).
Esses choramingas escolheram não olhar para a verdadeira questão que se coloca em relação à posição do Spotify.
O Spotify não é só a plataforma em que Joe Rogan decidiu alojar o podcast no qual vomita mentiras, negacionismo e racismo a rodos. O Spotify pagou 100 milhões de dólares a Rogan para ter o podcast em exclusivo.
É uma decisão editorial e, como tal, a empresa coloca em nós, os seus subscritores, o ónus da decisão que realmente a pode afectar: cancelarmos ou não a subscrição.
Não demorei muito a fazê-lo e, como eu, parece que muitos mais (19% segundo dados da Forrester Research).
Neil Young e os músicos que se lhe seguiram, como Joni Mitchell, por exemplo, têm o poder que têm para influenciar os seus fãs (e outros, claro), mas para a plataforma o impacto da retirada das suas músicas é quase nulo.
E, na verdade, não acredito que tenham de ser os artistas a ser responsáveis por esse impacto.
Hoje, a esmagadora maioria dos músicos tem de ter o seu trabalho no maior número possível de sítios de onde possa sacar rendimento.
O impacto tem de vir de nós. Tem de vir de quem paga. Não tem de ser um Spotify vs artistas. Tem de ser um Spotify vs o povo.
Porque, ao fim e ao cabo, mesmo no mundo do capitalismo selvagem, ainda pode ser o povo quem mais ordena.