Opinião
Tu fazes falta
Como foi possível relativizar e legitimar a transferência em massa e desumana de milhões de pessoas de um continente para outros, para as obrigar violentamente a trabalhar?
Há processos históricos que todos estudámos na escola e que fizeram quase todas as pessoas, ou pelo menos as pessoas decentes, perguntarem-se: como foi possível chegarem àquele ponto?
Como foi possível relativizar e legitimar a transferência em massa e desumana de milhões de pessoas de um continente para outros, para as obrigar violentamente a trabalhar?
Como foi possível uma sociedade inteira acolher a ideia de que há grupos de pessoas indesejáveis, chegando ao cúmulo de aceitar o extermínio em massa desses grupos?
Como foi possível chegarmos ao ponto de não nos importarmos com as mentiras que nos são hoje ditas, porque, pelo meio, “ele até diz umas verdades”? Ah… Este silêncio das pessoas boas!
Há quem tenha tentado explicar. Quantas vezes já citámos aquele poema, Quando os nazis vieram buscar os comunistas, /Eu fiquei em silêncio…
Quantas vezes nos explicaram o conceito da banalidade do mal - o vazio moral em que nos deixamos instalar, para podermos viver a nossa vidinha.
Há até quem goste de dizer que “Freud explica”, quando se depara com certas incredulidades que só podem mesmo ter uma razão muito rebuscada, muito subconsciente, muito… irracional.
Enquanto sociedade, estamos a ser confrontados com líderes que mentem descaradamente, e o preocupante não é que certas pessoas não saibam que são mentiras - o preocupante é que elas não queiram saber se é mentira.
“Cada um tem direito à sua verdade”, dizem. E depois votam.
Votam na esperança de que, no que diz respeito aos seus anseios e frustrações, eles estejam a falar com verdade.
Este pensamento mágico é quase impossível de desalojar. E é por isso que todos não chegam para esse empreendimento.
Faltas tu também, que ainda não chegaste, porque achas que não é nada contigo!
Tu, que ainda não vieste à manif mostrar que és anti-racista;
Tu, que ainda não és capaz de te insurgir contra o machismo no jantar lá em casa;
Tu, que não queres saber se o teu colega de trabalho está a ser alvo de injustiça, porque sabes que assim não olham para ti.
Eu sei que não vais votar nele, mas isso, só, não basta!
Enquanto o mundo avança para abismos ideológicos e repetições de acontecimentos que se julgavam ini(re)imagináveis, é preciso que saibas: fazes falta neste combate!