Opinião
Um lamento por Fernando
Leiria perdeu um dos seus melhores. Não teremos perdido todos?
Há crónicas que nunca deveríamos ter que escrever, contudo o imperativo da raiva sentida quando nos roubam um dos nossos obriga-nos a não silenciar as palavras. Uma alvorada foi abruptamente manchada pela notícia do falecimento do companheiro Fernando Rodrigues.
Quando a circunstância é irremediável fica-se com o sabor amargo na boca de todas as oportunidades perdidas; de todas as palavras que, por pudor, nunca dissemos; dos abraços que ficaram por atar; dos convites de parceria que agora não se podem cumprir; do elogio merecido a uma forma escorreita de pensar; da resiliência que tomávamos como exemplo e que agora falta; da saudade do temperamento que apaziguava divergências; da ironia e rapidez de resposta que nos soltava gargalhadas; mas igualmente da serenidade a que nos acolhíamos.
Ao rol destes predicados faltarão outros tantos mil. É do comum dizer-se que aos que morrem não lhes falta nada para serem recordados como bons. Não é caso, de todo, que ainda agora partiu e já lhe sentimos a ausência. Saudade deve ser o nome certo a dar a este vazio que agora nos sobra.
Leiria perdeu um dos seus melhores. Não teremos perdido todos?! A Cultura maior, aquela que se deve escrever com maiúscula, é construída a partir de pequenos nadas, de pequenas partículas que se vão articulando entre si e que, quando alocadas no local e momento exatos, se tornam maiores e se agigantam sem fim para além do instante e da pretensão inicial.
O Fernando era, de facto, um artesão com esse saber ancestral dos que sabendo muito e mais que o comum, se sabia transfigurar no personagem secundário, discreto, quando na verdade estava a partilhar um imenso saber sem dele fazer alarde. Sugeria sem imposição e desse modo permitia a outros que crescessem sem receio. Como quem pede desculpa por estar a incomodar, foi incomodando imenso com as perguntas certas que faziam pensar.
Nestes quarenta e sete anos que levo dedicado à coisa do teatro já vi partir gente minha a mais para o meu gosto. Uns eram figuras conhecidas de meio mundo, outros mais de quem lhes estava perto. A ausência de uns e outros é sentida por igual de todos preservo o exemplo e a memória.
Pensava que já tinha a minha conta de ausências. Agora sou obrigado a sentir este lamento longo pelo Fernando.
Para o mais do meu sentir faltam-me as palavras para encerrar esta crónica. Resta-me uma modesta convicção: cá continuaremos e não te iremos esquecer.
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo ortográfico de 1990