Opinião

Um País insano

24 mai 2025 16:34

Olho para esse lado da fronteira e só vejo insanidade. Um País de gente zangada, sentada à frente da televisão, num loop distópico de eterna espera

As eleições foram domingo. Passei todo o dia sem falar do assunto. Nem com os meus colegas de trabalho portugueses, nem com os espanhóis. Antes de sair de casa de manhã, a Pilar perguntou-me, “quem é que ganhou?”. Murmurei um penoso “não quero falar disso”, meti-me a caminho do escritório e, ao contrário do que normalmente faria, em vez de um podcast que me ajudasse a perceber melhor o que se passou, preferi ouvir música.

Não é que vos deva interessar muito, mas o álbum novo dos Alpha acaba de sair no Bandcamp e veio mesmo a calhar para a ocasião. Uma maravilha. Elegante, dramático, profundo, cravado de paisagens sonoras inspiradoras. Um digno sucessor de “Come From Heaven” do longínquo ano de 1997 (e de pelo menos mais três dos discos que os de Bristol editaram posteriormente). Mesmo o que a minha manhã pós-eleitoral necessitava.

Dizia eu que passei todo o dia sem falar do assunto e é verdade, mas no regresso a casa, a coisa começou a corroer-me.

Umas mensagens nos grupos de amigos do Whatsapp - dos daí e dos daqui -, uns minutos para ouvir as principais declarações da esquerda uma vez mais derrotada (e do Rui Tavares) e a tentativa de não escrever uma linha que fosse sobre o assunto desvaneceu-se em segundos. E escrevo com um absoluto desalento.

Olho para esse lado da fronteira e só vejo insanidade. Um País de gente zangada, sentada à frente da televisão, num loop distópico de eterna espera.

À espera que o autocarro do clube chegue ao estádio, à espera que o primeiro-ministro chegue à sede de campanha, à espera que uma porta de um hospital se abra para que dela esvoace o D. Sebastião dos miseráveis, à espera de saber qual é o político que melhor se safa na Júlia ou no Goucha… e como esperar é uma chatice, lá estão os das televisões, a perseguir o autocarro do clube, a acompanhar o carro do primeiro-ministro e a montar tenda à porta do hospital.

A sensação de urgência como isco, o vazio como conteúdo, a irritação como arma. Quanto mais irritados, melhor. Mais preparados para adorar nazis, ladrões e abusadores. Insano. Se não fosse trágico, tínhamos risota para décadas, assim, para já, temos miseráveis para mais uns quantos anos.