Opinião
Valorizar as mãos sujas
Há quem ache que bastaria mudar o nome duma profissão para a tornar logo mais atrativa
Rana Foroohar escrevia esta semana no Financial Times, que ser mineiro é uma profissão suja, mas que é uma profissão de futuro, dadas as enormes necessidades de minerais raros que são fonte de energia necessária para veículos elétricos, aparelhos elétricos e tecnologias verdes, como o lítio por exemplo.
A perceção daquilo que é o futuro das profissões, vem muitas vezes encantada com doce poesia de facilidades e ideias sobre um futuro idílico de realização de atividades online.
Acredito que esta seja uma ínfima percentagem daquilo que acontecerá com as profissões no seu todo.
Podemos estender o atributo a centenas de áreas que são essenciais às sociedades, como a Cozinha, o Bar, a Mecânica, o CNC… já ninguém quer servir à mesa, muito também porque se desvalorizou aquilo que é uma arte de mesa. Precisa de ser ensinada, tem relevo e tem mercado, mas está pelas ruas da amargura.
A desregulamentação destas profissões há uns anos, tornou o processo muito difícil de reverter por si. Aquilo que seria uma normal abertura do mercado de trabalho às profissões, teria sucesso caso houvesse mercado…mas a Europa, sobretudo Portugal, enferma duma natalidade tão baixa, mas tão baixa, que neste momento não há pessoas para “fazer” profissão nenhuma, da Construção à Hotelaria.
Empurramos todos uns para os outros, mas a “culpa” não está em ninguém em concreto. Há quem ache que bastaria mudar o nome duma profissão para a tornar logo mais atrativa. Se fosse assim tão imediato, já estaria resolvido. Mas certo é que o Catálogo Nacional de Qualificações é uma manta de acrescentos de profissão em profissão, nome atrás de nome que depois o mercado não reconhece.
A esmagadora maioria das Escolas Profissionais reconhece a via profissionalizante como digna e de sucesso na inserção na vida ativa. Sujar as mãos pressupõe que depois ensinamos a lavar, limpar e proteger quando isso acontece. E é bom. Mais: a maioria dessas funções está tão automatizada e com processos e métodos de trabalho tão pensados, que já pouco se sujam.
A qualidade e criatividade chegou bem cedo ao Ensino Profissional, pese embora as conturbadas regras que nos são impostas sistematicamente na área da educação. Muitas delas incompreensíveis e com penalizações graves ao nosso funcionamento.
Mas ser profissional exige o compliance com regras, independentemente de concordarmos ou não com elas.
Não me canso de dizer que nos países do norte da Europa (e não consta que sejam menos desenvolvidos) a escolha do ensino profissional é superior em todos eles a mais de 60%, pois é considerado que o ramo que promove crescimento económico e coesão social, onde os alunos são ensinados a sujar as mãos para exercer qualquer profissão. Em Portugal estamos abaixo dos 40%.
Escrevo a evidência daquilo que a analista do Financial Times afirmava: as profissões de futuro e com futuro, também exigem que se suje as mãos, mas isso só prova e exige o potencial duma qualificação profissional, que ombreia sem qualquer embaraço, com outros jovens do país e do mundo. É preciso valorizar isso.