Opinião
Viajar para reaprender
Em Roma, confessa: Sempre pensei que ia aprender aqui muita coisa; mas que teria de recuar tanto, que teria de desaprender e reaprender tanta coisa, isso nunca pensei”.
Johann Wolfgang von Goethe saiu de Karlovy Vary, cidade termal da Boémia então conhecida por Karlsbad (hoje é a cidade termal mais famosa da República Checa), a 3 de Setembro de 1786.
Celebrara há poucos dias, a 29 de Agosto, o seu 37.º aniversário e há muito que ansiava por fazer uma viagem a Itália. Tornara-se corrente, naquele século, entre a aristocracia e a burguesia cultas efectuar um périplo europeu que incluía obrigatoriamente a Itália. Embora partisse sem avisar os amigos, era uma iniciativa longamente preparada, e, a partir de certa altura, sentida como irresistível.
Depois de passar por Munique e Innsbruck, atravessou os Alpes por Brenner e chegou a Trento, já na Itália, a 10 de Setembro.
O percurso pela península levá-lo-ia até Verona, Pádua, Veneza, Ferrara, Bolonha, Florença, Perugia, Assis. A 29 de Outubro iniciou a estadia em Roma, onde permaneceu até 22 de Janeiro do ano seguinte. Daqui demandou Nápoles e, já na Sicília, Palermo, Agrigento, Catânia e Messina.
No regresso, passou de novo por Nápoles e Roma, visitou Castel Gandolfo e Siena, voltou a Florença e a Bolonha, e saiu de Itália por Milão e Como. O calendário marcava então 28 de Maio de 1788, contabilizando 20 meses de andanças italianas. Atravessou a Suíça, passou por Nuremberga e Coburgo e chegou a Weimar a 18 de Junho.
Esta longa viagem ficou documentada através de cartas enviadas pelo escritor mas viria a ter na sua obra um lugar destacado quando, três décadas mais tarde, decide ocupar-se das notas e diário escritos em Itália e elaborar uma obra autobiográfica a que dá o nome de Viagem a Itália. Foi publicada em duas partes em 1816-17, quando Goethe já perfizera 67 anos.
De facto, esta obra, que João Barrento, com o brilho que é seu apanágio, traduziu, prefaciou e anotou para a Bertrand em 2016, veio a ser um paradigma da viagem redentora a sul de todos os que se viam desencantados a norte.
Os exegetas da obra de Goethe, entre eles Barrento, não têm dúvidas de que o autor da obra teceu um texto literário sobre uma experiência pessoal e, nesse sentido, há de facto duas viagens a Itália: a que ocorreu em 1786-88 e que foi escrita três décadas mais tarde.
Foi esta porém que chegou até nós. Nela o autor quis pôr em evidência o carácter transformador da viagem, no aspecto em que a observação directa, a abertura ao novo, ao complexo e ao surpreendente, a valorização do olhar permitem ao viajante proceder a uma espécie de autoformação encarada como um processo contínuo.
“O lado mais agradável das viagens é que a novidade e a surpresa dão o aspecto de uma aventura até às coisas mais corriqueiras”.
Para Goethe, “não se viaja para chegar, mas viaja-se para viajar”. O autor não sabe se desta experiência resultará uma aprendizagem de vida, mas sabe que uma aprendizagem de si próprio foi posta em marcha.
Em Roma, confessa: Sempre pensei que ia aprender aqui muita coisa; mas que teria de recuar tanto, que teria de desaprender e reaprender tanta coisa, isso nunca pensei”.