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Adelino Mota: "A maioria dos autarcas confunde cultura com actividades recreativas"

7 jul 2016 00:00

Maestro e director artístico do Festival de Jazz do Valado

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Jacinto Silva Duro

Porquê organizar um festival de jazz, há 19 anos, num local como Valado dos Frades, que fica fora dos grandes centros urbanos?
É isso que faz dele um festival particular. Tudo começou nos anos 90, quando fui a um concerto de jazz, enquanto estava a estudar em Coimbra. Falei com os músicos sobre o facto de eles terem ido de Lisboa lá tocar. "Se podem vir a Coimbra, também podem ir à minha terra, que fica a meio caminho", disse-lhes. Cheguei ao Valado e propus à BIR fazer um concerto. Disseram que era maluco, que “ninguém gostava disso” e remataram que era uma estupidez. Naquela época, o jazz era só no Cascais Jazz...mas lá conseguimos organizar um concerto, a meio do Verão. Foi um sucesso. Veio muita gente ouvir e havia muita curiosidade. E foi assim que começaram os concertos pontuais. A ideia do festival apareceu três ou quatro anos depois, em 1995. Em 1999, fizemos a segunda edição e daí até agora, nunca mais parámos. Valado dos Frades é um local estratégico. O festival não é feito a pensar apenas na população local. Num raio de 25 quilómetros, estão Caldas da Rainha, Leiria, Nazaré, Alcobaça, Benedita, Porto de Mós, Batalha, São Martinho do Porto e toda esta região. Se somarmos esta gente toda, teremos o equivalente à população de uma grande cidade.

Hoje, há mais gente a gostar de jazz?
É um gosto que se adquire e há estilos de jazz mais difíceis... Sim, é um gosto que se adquire. É preciso gostar muito de música improvisada e de improvisação. A grande vantagem do jazz do Valado é que só vai ver quem gosta mesmo. No Festival de Jazz do Valado, temos 200 pessoas a ver um concerto... É um número fantástico, mas prova que é uma minoria da população. É um estilo para uma minoria. A maioria da população prefere ir ao Rock in Rio e à Zambujeira, porque são festivais que têm música para o povão. Musicalmente, os músicos que lá vão são uma grande “banhada” e os concertos são uma enorme treta, embora sejam grandes produções, com um grande som e grande aparato.

A cultura não se mede por números...
Não, mas sinto que as nossas autarquias falam muito deles para determinar o que é sucesso ou não. Os autarcas da nossa região não percebem nada de cultura. A maioria deles confunde cultura com actividades recreativas e entretenimento. Estas últimas são muito boas para o povo andar bem disposto, o problema é que as Câmara Municipais gastam verbas da Cultura para pagar concertos, de 15 e 20 mil euros, que se fazem nos Dias da Cidade, com o José Cid e com o não sei quantos. São valores que dariam para pagar actividades culturais a uma imensidão de crianças. Ainda há pouco, falava com um autarca das Caldas da Rainha e ele disse-me que tinha sido um orgulho, no Carnaval da Criança, ter todas as escolas do concelho nesse evento, porque arranjaram autocarros para ir buscar os miúdos todos. Para quê? Alguma vez arranjaram autocarros para eles irem ver um concerto de uma orquestra sinfónica? Para irem ao teatro? Se uma orquestra sinfónica for tocar ao CCC e as escolas pedirem autocarros para lá levarem os miúdos, haverá verba para isso? Mas para oCarnaval da Criançajá houve. As autarquias da nossa região são geridas para o show of, para mostrar ao povo que se está a fazer coisas e os autarcas demitem-se da função de mostrar novidades ao povo. Se o povo fosse uma criança que não quer comer a sopa e só quer hambúrguer, só comeria hambúrguer e seria obeso, porque só se lhe dá o que mais gosta. Ninguém comeria peixe. Os autarcas não querem educar a população, dão-lhe o que está na moda para ficarem bem vistos. Verdade seja dita, há algumas que influenciam, e bem, a cultura da população, mas são muito poucas.

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"Se o povo fosse uma criança que não quer comer a sopa e só quer hambúrguer, só comeria hambúrguer e seria obeso, porque só se lhe dá o que mais gosta. Ninguém comeria peixe"

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