Sociedade

Antigo gestor do ICNF com “muitas preocupações” em relação ao plano de recuperação do Pinhal de Leiria

27 nov 2020 14:59

As preocupações de Octávio Ferreira, engenheiro silvicultor que durante anos esteve ligado ao Pinhal de Leiria, são reveladas num artigo de opinião enviado ao JORNAL DE LEIRIA e que pode ler, na íntegra, mais abaixo.

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Num artigo de opinião enviado ao JORNAL DE LEIRIA, Octávio Ferreira, engenheiro silvicultor que durante anos esteve ligado ao Pinhal de Leiria e aos serviços florestais da região, manifesta “muitas preocupações” em relação ao plano de recuperação desta Mata Nacional (MN) traçado pela tutela.

Octávio Ferreira faz uma análise à informação apresentada no passado dia 13 de Outubro pelo presidente do Conselho Directivo do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), Nuno Banza, sobre as intervenções já realizadas para a recuperação da Mata Nacional de Leiria, bem como as nações a promover até ao ano de 2024.

Entre os pontos que lhe merecem preocupação está o facto de “nada” ser referido sobre retanchas (replantação das falhas), “havendo talhões com bastantes plantas secas, nem é indicada qualquer verba para esta operação”.

Por outro lado, “existem centenas de hectares de plantações onde somente se vê mato, encontrando-se as plantas dominadas, mesmo sufocadas, pois não se fez a monda de matos que é essencial para o sucesso das plantações, mas também nada é dito sobre o corte desses matos, nem são atribuídas verbas”.

Octávio Ferreira trabalhou até 2018 no ICNF

No referido artigo, o engenheiro alerta ainda para a situação dos povoamentos florestais que não arderam. “São referidas limpezas de matos em 763 hectares até 2024”, ou seja “sensivelmente metade da área total de povoamentos, o que é manifestamente pouco, de resto todo o pinhal que sobreviveu ao fogo devia estar já limpo de matos, de modo a prevenir males maiores”.

Octávio Ferreira lamenta ainda que os planos “nada” digam sobre a recuperação das áreas de lazer e de convívio, “uma falha” que dever ser corrigida “tão breve quanto possível, dadas as excelentes condições que a MNL apresenta para o recreio, a tradição e a componente social da MN tão do agrado das populações”.

 

Leia aqui o texto na íntegra:

Pinhal do Rei, os números

"Em 15 de outubro, 3 anos depois do grande incêndio que dizimou quase por completo a Mata Nacional de Leiria (MNL), reuniu o “Observatório Pinhal do Rei”, na Marinha Grande, tendo o Presidente do Conselho Diretivo do ICNF, Eng.º Nuno Banza, apresentado as intervenções já realizadas para a recuperação da MN, bem como as ações a promover até ao ano de 2024.

O vídeo da reunião está disponível na plataforma youTube, de onde se retirou e é possível visualizar a informação que se segue:

1. No caso da arborização e de acordo com o anunciado, em 3 anos (2018-2020) foram plantados 1178 ha, estando aqui incluídos os talhões arborizados por entidades públicas e privadas, pois o respetivo mapa apresentado assim o indica e que serão seguramente metade da área plantada.

De 2021 a 2024 a área anual prevista para intervenção duplicará relativamente aos anos de 2018 a 2022, pois naquele período desenvolver-se-ão ações em 992,5 ha/ano, conforme indicado no quadro.

No total, a área intervencionada de 2018 a 2024 (7 anos) será de 6492 ha, ou seja 68,5% da área percorrida pelo fogo, sendo 4715 ha de plantações e 1777 ha de aproveitamento de regeneração natural, caso tudo decorra conforme anunciado e seja efetivamente confirmado, o que é um rácio interessante (927 ha/ano), mas ficam desde já alguns reparos e muitas preocupações, no que diz respeito às plantações já efetuadas:

    1. Nada é referido sobre retanchas (replantação das falhas), havendo talhões com bastantes plantas secas, nem é indicada qualquer verba para esta operação;

    2. Existem centenas de hectares de plantações onde somente se vê mato, encontrando-se as plantas dominadas, mesmo sufocadas, pois não se fez a monda de matos que é essencial para o sucesso das plantações, mas também nada é dito sobre o corte desses matos, nem são atribuídas verbas;

    3. As plantações que não foram adubadas podê-lo-ão ser agora com uma adubação de cobertura, para rapidamente as plantas se desenvolverem e se libertarem dos matos, mas de igual modo nada é referido a esse respeito;

Em qualquer dos casos anteriores é urgente que as situações sejam corrigidas em benefício das plantações já realizadas.

2. Tendo sido criadas algumas dúvidas sobre a regeneração natural do pinheiro-bravo na MNL no pós-fogo, convirá esclarecer que não haverá mais regeneração natural, pois passaram 3 primaveras e já não há semente no solo capaz de germinar.

A área com regeneração natural, que é a melhor e mais económica solução de rearborização em qualquer estação, parece ser inferior à inicialmente prevista, provavelmente devido à intensidade do incêndio que queimou e tornou estéril boa parte da semente do arvoredo com mais de 30 anos de idade, do qual era expectável provir regeneração natural e que é uma situação inédita.

3. Relativamente aos povoamentos florestais que não arderam, são referidas limpezas de matos em 763 ha até 2024 conforme quadro, ou seja, sensivelmente metade da área total de povoamentos, o que é manifestamente pouco, de resto todo o pinhal que sobreviveu ao fogo devia estar já limpo de matos, de modo a prevenir males maiores.

Trata-se de pinhal adulto que tem de ser cuidadosa e inteiramente preservado como se de uma relíquia se tratasse, de modo a servir de mostruário da elevada qualidade da MNL para os próximos vindouros, pois somente daqui a 50 anos haverá outros povoamentos adultos similares.

4. No que diz respeito a investimentos o ICNF prevê investir 5 vezes mais no período de 2021 a 2024 (6295500 €) do que se investiu de 2018 a 2020 (1215140 €), neste caso na arborização (de parte) dos 1178 ha plantados e na limpeza de matos em 526 ha de povoamentos adultos.

A beneficiação das redes viária (28 km) e divisional (10 km) desenvolver-se-á de 2021 a 2024, conforme dito pelo Sr.º Presidente do ICNF, embora no quadro apresentado na reunião seja indicado como investimento feito de 2018 a 2021, o que é um lapso, pois não ainda há obra feita.

Assim, se se considerarem os períodos 2018-2022 e 2021-2024, neste quadriénio o investimento/ano será quase 3 vezes superior ao investimento/ano naquele quinquénio, conforme quadro, o que exigirá uma forte disponibilidade financeira e empenho por parte do ICNF e dos seus recursos humanos, designadamente dos colegas e demais funcionários que prestam serviço na Marinha Grande.

O investimento total previsto para 7 anos (2018 – 2024), no valor de 9 084 205 €, inclui ainda o controlo de invasoras lenhosas (333 000 €), a reabilitação de áreas afetadas pelo furacão Leslie (500 320 €) e a prevenção contra pragas e doenças (368 000 €).

Surpreendentemente, nada é dito sobre a recuperação das áreas de lazer e de convívio, o que nos parece uma falha e dever ser corrigido tão breve quanto possível, dadas as excelentes condições que a MNL apresenta para o recreio, a tradição e a componente social da MN tão do agrado das populações locais.

O anúncio recente da aprovação de uma verba adicional de 5 milhões de euros, no orçamento de Estado, para investimento em 2021 na MNL, parecendo-nos excelente pode não vir a concretizar-se na sua totalidade, dado o elevado montante a investir em somente 12 meses, pois sabemos que será preciso elaborar projetos, levá-los a concurso, aprová-los e executá-los, isto para além da continuidade das ações já a decorrer e das anteriormente anunciadas para o mesmo ano."

Octávio Ferreira,

Engenheiro Silvicultor

(Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990)