Viver
Arte na comunidade: pescadores no palco, casulos para migrantes e crianças que são actores
Em Leiria, Caldas da Rainha e Figueiró dos Vinhos, os projectos Meia Praia Mar, A Poesia Está na Rua e Casulos levam a vida real para a produção artística
Meia Praia Mar, Casulos e A Poesia Está na Rua são três projectos de práticas artísticas com envolvimento da comunidade, a acontecer no distrito de Leiria, que procuram incluir diferentes tradições, gerações e territórios na produção de novas propostas culturais.
Inspirado nos habitantes da Praia do Pedrógão e na arte xávega, o projecto Meia Praia Mar contempla diversos objectos artísticos, entre eles, um espectáculo e um documentário que podem ver-se nos próximos dias em Leiria.
O colectivo DEMO – Dispositivo Experimental, Multidisciplinar e Orgânico, com sede em Guimarães, propõe o cruzamento entre o teatro, a dança, o cinema e a antropologia, numa pesquisa que resgata as pessoas e o legado da pesca artesanal, com o mar e o pinhal como pano de fundo.
Pescadores e peixeiras, protagonistas de uma tradição ancestral na Praia do Pedrógão, juntaram-se aos artistas em vários momentos de “recolha e partilha”, explica Cheila Pereira, co-directora artística do colectivo DEMO. “Às vezes, mais fortes do que estar connosco em palco”. Objectivo: reunir memórias, vivências e costumes que representam uma cultura e uma identidade.
Para Cheila Pereira, “através da arte ou da criação artística contemporânea”, surge “uma nova perspectiva” que confere visibilidade e significado a “patrimónios muitas vezes em vias de extinção” e permite “cristalizar conhecimentos que de outra maneira podem ficar perdidos”. Na Praia do Pedrógão, por exemplo, só resta uma companha (tripulação) que parece manter-se mais por valor afectivo do que económico.
O colectivo DEMO participa também no programa Casulos, em Caldas da Rainha e Figueiró dos Vinhos. Vai desenvolver concertos performativos para cegos e pessoas com baixa visão, que serão convidados para ensaios e visitas tácteis. “Uma outra forma de integrar a comunidade” e “abrir o processo criativo”, considera Cheila Pereira.
Proposto pela Direcção Regional de Cultura do Centro, o Casulos tem como mote a exposição dedicada a José Malhoa, Dado e Carolein Smit patente no Museu José Malhoa. E entra agora, no mês de Setembro, na segunda fase, com o arranque das residências artísticas. Entre as acções previstas, há oficinas de expressão dramática com seniores dinamizadas pelo Teatro da Pessoa e um laboratório teatral para crianças e adolescentes. E também oficinas de dança contemporânea dirigidas pelo coreógrafo Romulus Neagu, que vai trabalhar com migrantes e retornados.
Teatro, dança, música, fotografia e vídeo são as principais disciplinas a explorar entre Setembro de 2021 e Março de 2022, em Caldas da Rainha e Figueiró dos Vinhos, no contexto do Casulos, que, ao todo, contempla duas exposições e três residências artísticas, com 25 acções de mediação cultural.
Romulus Neagu, que chegou a Portugal nos anos 90, vindo da Roménia, para estudar no ensino superior, e hoje está radicado em Viseu, quer também produzir um objecto audiovisual e documental que permita “retratar a experiência pessoal de cada um dos intervenientes”, que, tal como José Malhoa, Dado e Carolein Smit, desaguam num destino oriundos de diferentes origens. “Essas vivências, esses trajectos, como é que os influenciaram?”
Através do teatro físico, da dança e da música, haverá um diálogo intercultural baseado nas histórias dos migrantes e retornados, que possibilita ver e ser visto. “Não vamos apenas fazer uma recolha da biografia, eles são os intervenientes a cem por centro”, refere Romulus Neagu. “Tentar chegar através da arte a um público que normalmente, por várias razões, não consegue aproximar- se do espaço do museu”.
Entretanto, também este mês, a companhia Leirena apresenta uma nova peça de teatro, criada com dez amadores (nove mulheres, todas acima dos 60 anos, um homem e uma criança) para o festival A Poesia Está na Rua, que acontece nos jardins da Casa-Museu João Soares, nas Cortes, Leiria, no próximo dia 25.
Segundo Frédéric da Cruz Pires, o espectáculo resulta de uma residência comunitária e “segue o mesmo conceito do Festival Novos Ventos”, em que o Leirena se muda para uma freguesia durante uma semana e trabalha com habitantes locais para levar à cena uma nova produção, onde “além do lado formativo”, há sempre “momentos de diversão”, com encontro de várias gerações.
“Em todos os projectos que temos vindo a fazer de teatro comunitário partimos sempre da identidade cultural local” e “a comunidade acaba por apresentar o resultado aos familiares, amigos e vizinhos”, explica, o que tem contribuído para o aparecimento de novos actores e de novos grupos.
Hoje e amanhã, 22 e 23 de Setembro, o colectivo DEMO leva ao Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria, a adaptação para o palco do espectáculo Meia Praia Mar, apresentado, no final de Agosto, na Praia do Pedrógão. Sexta e sábado, 24 e 25 de Setembro, no museu m|i|mo, em Leiria, está prevista a projecção da curta-metragem Estrada Atlântica.