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'As novas gerações, que deveriam ser referência, ouvem pimbalhada' - João San Payo, músico dos Peste & Sida

3 dez 2015 00:00

O músico dos Peste & Sida em entrevista ao Jornal de Leiria, antecipando a passagem pelo Beat, no sábado, à noite

Jacinto Silva Duro

Quase 30 anos depois, o que ainda faz mexer os Peste & Sida?
Acima de tudo quem faz a banda continuar são os fãs. É malta que se identifica com o som, com a mensagem e com aquilo que a banda era no princípio e que recuperou quando voltámos em 2002. Evidentemente, houve vontade de actualizar o som, mas tentámos manter as mesmas premissas e a mesma mensagem simples, directa e acessível. Peste & Sida é o que é e seria defraudar quem se identifica com o nosso rock se tentássemos modificar radicalmente as coisas. Os fãs pertencem a uma faixa muito própria… Passados 30 anos de carreira, posso dizer que tivemos a sorte de ter um grupo de trabalho com pessoas que quer “fazer” os Peste & Sida descomprometidamente e que vive em Portugal da música, fora do mainstream. Damos aulas, tocamos noutros projectos… O Ricardo Barriga tem projectos na televisão, dá aulas, tem projectos de jazz, o João Alves, tem também projectos de rockalhada, paralelamente aos Peste & Sida, dá aulas, faz os seu trabalhos de backliner, gosta de andar na estrada e eu que vou fazendo trabalhos paralelos e ando na estrada com malta amiga… Ainda ontem vim com o João Afonso, de Alcains. É uma forma de não estarmos dependentes economicamente dos Peste & Sida. Seria um tiro no pé, porque, em Portugal, para vivermos um projecto, temos de estar no maistream e isso é muito efémero.

Diz que Peste & Sida tem uma mensagem simples, mas as vossas letras têm como grande atractivo o facto de falarem de coisas reais: da violência doméstica, da droga, dos problemas dos jovens e até das indefinições do futuro do País…
Há uma certa dualidade na temática e na música que fazemos. Quando digo que é “simples”, é para reforçar que nenhum de nós é um esteta ou letrista que se preocupe com o lado literário... no entanto, a mensagem está muito ligada ao dia-a-dia, ao senso-comum e às experiências que vivemos. Acima de tudo, quem nos segue é a massa trabalhadora, mais do que os estudantes de uma Queima. Mas ainda bem, porque as novas gerações, que deveriam ser a referência cultural deste País, ouvem pimbalhada e isso deixa-me bastante decepcionado, quando penso no que será o futuro. Mas estão no seu direito.

No entanto, há coisas vossas que inspiraram os novos músicos.
Sim. E isso é porreiro. Gosto de ver que, nestes 30 anos, há um ecletismo no crescimento dos gostos musicais. Há muita gente boa no  rock , no  jazz , na música tradicional. Houve uma evolução positiva nos que fazem música e em quem ouve. No nosso caso, a simplici- dade é relativa. Para mantermos a coerência daquilo que era Peste & Sida da primeira fase e aquilo que queremos que continue a ser. Depois, houve uma evolução. Fomos beber muitas influências ao punk , na maneira de fazer, mas acabámos sempre por não nos fechar no baú e por não seguir um modelo muito fechado. Quisemos sempre deixar portas abertas e explorar o  reggae, ritmos tradicionais e fazer uma mescla de várias influências. Éramos  chavalos  novos, queríamos era curtir e tocar. Não havia  targets a atingir, como diz a malta nova e empreendedora. Nós queríamos era  rockar. Não temos um público de dezenas ou centenas de milhar, mas temos um público fiel, que se identifica e que nos segue.

A reedição dos álbuns  Veneno (1987),  Portem-se Bem  (1989) e  Peste & Sida É que É (1990), pela Rastilho Records, de Leiria, era o tributo há muito adiado?
Tentámos por várias vezes reeditar esses trabalhos. Ficou de fora o quarto álbum  [Eles andam aí], que foi editado pela BMG. Para nós, é fixe ter a discografia toda disponível mas, pessoalmente, penso que as três primeiras compilações são as mais importantes, so- bretudo o Veneno  e o  Portem-se bem, e era uma grave falha não estarem disponíveis ao público porque marcaram uma época do  pop-rock  nacional. Depois do primeiro disco, a editora, a Transmedia faliu e nós fomos para a Polygram, pois havia lá um responsável pela  A&R que viu potencial no punk-rock  dos Peste & Sida e apostou em nós. Isso abriu portas também para outras bandas. Esses dois álbuns foram a época de outro dos Peste & Sida. O terceiro trabalho ainda foi editado na Polygram, mas denota-se já uma entrada em decadência da banda. Tínhamos perdido o Orlando [Cohen] que tinha ido para os Censurados, mais tarde o João Pedro [Almendra], o nosso vocalista mítico também saiu. Não tínhamos conseguido lidar com o sucesso, éramos muito imaturos e não tínhamos por detrás uma estrutura com um  manager  que pudesse defender o colectivo e que nos fizesse funcionar como formação profissional. Para o quarto álbum, de 1992, gravado pela BMG, eu e o Luís [Varatojo] fomos buscar elementos novos, porreiríssimos. Há naquele disco boas ideias, mas já não se percebe o caminho a seguir e perdeu-se alguma identidade.

E quando a banda terminou a primeira vez?
Passámos oito ou nove anos a repensar Peste & Sida. Em 2003, a entrada do João Alves para a guitarra, foi essencial para se pensar o que se queria. Hoje, eu e o João, que era um puto que nos seguia desde pequeno e recorda coisas que eu fazia na guitarra e já me esqueci, temos mais anos de banda do que a formação original. É um elemento que conhece o grupo desde o ponto zero, com a vantagem de ser um rocker que fez o curso de Guitarra Clássica. Na reactivação dos Peste, fizemos o Tóxico (2004), que podia ser um álbum meu, a solo, era confuso em termos de identidade da banda. Mas foi um bom cartão de visita. O  Cai no Real (2007), com o João Pedro e com produção do Nuno Rafael, que começou connosco e produziu os Humanos e o Sérgio Godinho, foi um grande álbum, tal como é o Não há Crise (2011), com o Emanuel Ramalho que tinha produzido o  Portem-se bem. Acredito que os dois primeiros trabalhos e os dois últimos juntam as pontas e têm definidas as linhas com que Peste & Sida se coseu, nestes 30 anos.

Falando de ir “pró trabalho”, o que vai o público poder ouvir no Beat, em Leiria?
Vamos dar primazia às reedições da Rastilho, mas fazemos uma revisitação às duas últimas. São os quatro que têm a identidade de Peste & Sida bem definida. Será basicamente o espectáculo que mostrámos no RC, na apresentação da reedição, mas com as adaptações para o espaço em Leiria. Não conseguíamos levar as duas baterias e 15 convidados para Leiria, como é óbvio.

Perfil
Peste & Sida passam sábado pelo Beat Club

João San Payo é o Peste & Sida resistente. Encontrámo-lo numa tarde fresca no Jardim das Conchas, no Lumiar. Foi um dos fundadores e o impulsionador do regresso da banda, em 2002, e hoje, a fénix renascida conta com três álbuns desta segunda fase, que se juntam aos quatro da primeira. Foram uma das bandas marcantes dos anos 80 e 90. Recentemente, a Rastilho Records, de Leiria, reeditou os primeiros trabalhos do colectivo e agora os Peste & Sida vão passar pelo Beat Club. Vai ser no sábado, dia 5, a partir das 23 horas. João San Payo tinha uma banda no liceu e conheceu João Pedro Almendra. Um dia soube que Zé Leonel, primeiro vocalista dos Xutos, andava à procura de músicos. Foi e conheceu Luís Varatojo. “Criámos empatia e com o Raposo, criámos um power trio até que o Luís recebeu um telefonema para uma eliminatória de um concurso de música moderna, promovido pela JCP, para o Avante. Não tínhamos vocalista e liguei ao João Pedro. Fomos à eliminatória com o Veneno. Entre as 16 bandas ficámos em último, mas ninguém esqueceu os três minutos de Peste & Sida.” O nome também deu que falar, acima de tudo pela sigla SIDA. “Era um tabu, um estigma... Hije, os Peste & Sida são João San Payo no baixo e voz, João Alves na guitarra, Sandro Dosha na bateria e o “guitarrista convidado permanente” Ricardo Barriga.

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