Sociedade
As saudades que eu já tinha da minha alegre mata
Degradação: Às portas da cidade de Leiria, a Mata dos Marrazes é um pulmão verde a necessitar de tratamento. Há zonas invadidas por acácias, outras a exigir reflorestação e equipamentos degradados
Clique no botão em cima e veja a fotogaleria
Os olhos brilham quando Fernando Vindeirinho fala da Mata dos Marrazes. Brilham de emoção e de nostalgia. À memória, vêm-lhe o passado da mata cheia de vida.
Os fins-de-semana em que as famílias a invadiam, para fazerem os seus piqueniques, participar em arraiais, assistir a festivais de folclore ou até acampar.
Os tempos em que Fernando e tantos outros miúdos dos Marrazes e das povoações vizinhas subiam aos pinheiros para apanhar pinhas ou usavam os esconderijo da mata para jogar aos cowboys ou fazer tantas outras brincadeiras.
Mas os olhos de Fernando humedecem-se também de tristeza, pelo “estado de abandono” a que a mata chegou. Com excepção do parque de merendas, os equipamentos de lazer, muitos deles instalados com o esforço da população - através da Amitei (Associação de Amigos da Mata de Marrazes), estão completamente degradados.
As acácias tomaram conta de boa parte da mata e as áreas afectadas pelo temporal de 2013, que derrubou centenas de árvores, continuam por reflorestar. O mesmo sucede com a antiga carreira de tiro que a Junta de Freguesia adquiriu em 2012, com a promessa de que seria para arborizar.
“Choca-me muito ver o actual estado de abandono da mata”, confessa Fernando Vindeirinho, que esteve envolvido no movimento criado para recuperar a mata e que daria depois origem à Amitei, fundada em 1980 precisamente para cuidar daquele pulmão verde, mas que hoje é essencialmente uma instituição social.
“Quando se deu o 25 de Abril, o guarda-florestal saiu e a mata ficou completamente abandonada. A zona de piqueniques foi invadida por silvas. A população pegou em pás, enxadas e picaretas e começou a limpar.
Depois, foi necessário dar organização e assim nasceu a Amitei”, conta Fernando Vindeirinho, presidente da associação e que também já esteve à frente da Junta de Freguesia.
O dirigente reconhece que a “evolução dos tempos, os anseios e as transformações que se operaram no seio das comunidades, requer a transformação da mata com novas respostas e novas ofertas, para atrair pessoas e melhorar a qualidade de vida e do ambiente”.
Defende, por exemplo, a criação de circuitos para bicicletas e de um parque infantil, a requalificação dos trilhos pedonais e o “aproveitamento de determinados espaços para prática de desportos não competitivos.
Pensar a mata
Arquitecta paisagista, Paula Simões entende que, para a mata “funcionar oficialmente como parque, é necessário pensá-la e geri-la” como tal, definindo “funções, equipamentos, instalações e infra- -estruturas, que permitam o recreio de forma ordenada, segura e respeitadora e que garantam a valorização ecológica, cultural e paisagística”.
“A mata tem todos os ingredientes para ser um espaço multinacional e congregador de utentes intergeracionais. E para isso não carece de artifícios particulares porque está tudo lá.
Carece sim que sejam postos em evidência o seu significado hídrico, a frescura da água, a sombra das árvores, a sua luz e que se deixe a sazonalidade espreitar, adornar o sítio e apelar aos sentidos”, acrescenta Paula Simões.
Em 1903
Mata criada para combater erosão
A Mata dos Marrazes nasceu de legislação publicada em 1903 e que submetia ao regime florestal um conjunto de baldios existentes na região. O objectivo era florestar essas áreas, de forma a “regular” o curso do rio Lis e combater a erosão ao longo da bacia hidrográfica.
No caso dos Marrazes, foi abrangida uma área de 107,5 hectares, ficando estipulado que “três quartos do rendimento da mata era do Estado, para compensar o investimento, e o restante era distribuído pela câmara e pela junta”, conta João Eliseu, antigo dirigente dos Serviços Florestais.
A área foi arborizada com pinheiro bravo e mais tarde com “alguns eucaliptos”. Em 1941, aquando de um temporal que se abateu sobre a região, “um grande ciclone deitou abaixo muitas áreas da mata”, recorda João Eliseu.
Após o 25 de Abril, a mata foi, de certa forma, abandonada pelo Estado, o que levou a Junta de Freguesia a sua posse, o que viria a ser concedido em 1980.Então, a mata ocupava 94 hectares, uma área que entretanto foi reduzindo, com a amputação de parcelas para a construção do Bairro Sá Carneiro, do centro de saúde, do pavilhão e da aldeia do desporto.
As escolas (EB1 e EB2,3), o pavilhão, o antigo campo de futebol dos Marrazes, o cemitério e a urbanização existente nas suas imediações também ocupara terrenos da Mata
Leia mais na edição impressa ou faça registo e descarregue o PDF gratuitamente