Desporto

Beatriz Jordão, os sprints diários entre aulas e treinos e a centena de jogadas para decorar

23 fev 2021 11:14

A basquetebolista de Pombal está há dois anos e meio a jogar no campeonato universitário dos Estados Unidos. Na University of South Florida, em Tampa, procura dotar-se de ferramentas para garantir um lugar no desporto profissional, onde quer muito chegar, mas sem deixar os estudos para segundo plano

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Beatriz Jordão compete no campeonato universitário dos Estados Unidos
DR

Durante a época, os treinos de equipa demoram três horas, “mas às vezes o treinador gosta de se esticar um bocadinho mais”. Depois, três vezes por semana, tem treinos individuais de 45 minutos. 

trabalho de ginásio e preparação física ocupa-lhe um período igual. Outra coisa não seria de esperar na pátria que mais ama o jogo da bola ao cesto. “Claro que estes horários são encaixados perfeitamente no nosso horário escolar”, sublinha a estudante de Ciências do Desporto.

A mala ia cheia de sonhos quando Beatriz Jordão deixou Portugal para trás e atravessou o Atlântico para jogar basquetebol na University of South Florida. Dois anos e meio passaram e agora, ao fazer uma retrospectiva a estes quase mil dias, não tem dúvidas em classificá-los, à boa maneira americana, como uma “montanha russa”.

A experiência tem valido a pena, houve momentos altos e momentos baixos, muito treino e lesões graves, cestos decisivos e uma pandemia que trocou as voltas a um planeta inteiro.

Não havia volta a dar. A paixão que sente pela modalidade, o talento que demonstrou, as condições atléticas de excepção e as elevadas expectativas que sempre houve em torno da sua carreira desportiva não lhe deixavam grande alternativa.

Tinha de saber até onde conseguia ir. E logo na primeira época as coisas começaram por correr “mesmo muito bem”. “Entrei logo no cinco inicial”, recorda, e as expectativas estavam altas. “Infelizmente, em Dezembro lesionei-me, tive de ser operada e acabei por perder o ano.”

Estava na hora de recomeçar, mas a segunda temporada da poste de Matos do Carriço, concelho e Pombal, em Tampa Bay foi interrompida pela Covid-19. “O pior é que no Verão acabei por não conseguir ir a casa”, lamenta estudante de Ciências do Desporto, de 22 anos.

Apesar de o panorama se manter complexo devido a todas as questões de saúde pública que tanto afectaram aquele país, este terceiro ano está a correr melhor e até já foi nomeada jogadora da semana da American Athletic Conference.

Evolução

Naturalmente, depois de dois anos e meio do outro lado do oceano, Beatriz Jordão sente-se uma jogadora diferente. “Tenho melhorado imenso a capacidade física. Existe um foco gigante nesse aspecto e sinto-me muito mais capaz de correr e de saltar. O meu trabalho de pés e a agilidade também melhoraram bastante, o que se traduz muito no jogo. Faço movimentos que não fazia e o meu tiro está mais regular e eficaz”, explica a poste.

Os dias de Beatriz, que começou a jogar no Núcleo do Desporto Amador de Pombal, são, pois, em sprint entre as aulas e o treinos. “Às oito da manhã vou à escola para uma aula de uma hora e um quarto, dali vou a correr para o pavilhão preparar-me para o treino de ginásio. Habitualmente, faço logo o treino individual a seguir. Saio do pavilhão e vou para a escola e volto outra vez para o treino de equipa, de três horas. Saímos do pavilhão às 19 horas.”

Também no aspecto táctico nota grandes diferenças relativamente ao que fazia. “Há uma maior tendência de os treinadores controlarem o jogo. Em Portugal tínhamos quatro princípios e trabalhávamos à volta disso. Aqui, é uma loucura. Posso dizer que temos cem ou mais jogadas. É, como costumo dizer, um bocado jogar Playstation. Sempre que estávamos a jogar, a nossa base levava a bola, olhava para o treinador e via o que ele queria que nós fizéssemos. Agora já confia mais...”

O plantel das Bulls, como são conhecidas, é composto por muitas atletas internacionais. Há norte-americanas, espanholas, holandesas, checas, croatas, belgas, italianas, gregas, porto-riquenhas e duas portuguesas. “Todas as semanas há uma de nós a sobressair”, diz.

Milita na divisão principal da NCAA (campeonato universitário dos Estados Unidos), conta já com 11 vitórias e apenas uma derrota e, no final de Janeiro, estabeleceu o melhor lugar de sempre da universidade no ranking da Associated Press, o 13.º posto a nível nacional.

Em época de pandemia, ainda assim, nem tudo tem sido perfeito e a equipa esteve em confinamento devido a casos positivos e viu alguns dos jogos serem adiados. A situação está, no entanto, normalizada. “Desde que começaram os jogos somos testadas todos os dias”, revela Beatriz.

Ainda assim, o objectivo da equipa não muda. É chegar à fase final do campeonato, o mítico March Madness, onde se juntam as melhores 64 universidades do país, juntas, em San Antonio, no Texas, a partir de 22 de Março. “Estamos muito bem encaminhadas e seria mais um sonho que cumprido.”

Bacalhau e chouriças para matar saudades

Desde muito cedo que a rapariga de Matos do Carriço, Pombal, até estava “habituada a estar fora de casa”, pois tinha jogado em clubes de Lisboa e do Porto enquanto adolescente. “Os meus pais iam ter comigo ou eu ia a casa de vez em quando, mas agora é diferente.” Pois é, porque tem “um oceano a separar os dois países”. Em Tampa, Beatriz Jordão vive com três colegas num apartamento próximo do campus universitário: a também portuguesa Sara Guerreiro, do Seixal, uma espanhola e uma porto-riquenha. Pode dizer-se, pois, que é uma casa de sangue latino, tendo todas muitos pontos em comum. “É engraçado que elas tentam falar português e nós espanhol.” Contudo, passados dois anos e meio, e de forma natural, foi outra língua que se apossou do raciocínio da poste portuguesa. “Já penso em inglês, já sonho em inglês e à vezes estou ao telefone com os meus pais e já me sai o inglês. Fico a pensar na tradução e não me consigo lembrar como dizer. Quando cheguei era ao contrário. Está um bocado trocado.” Na verdade, a jogadora não regressa ao País desde 2019. “Não vejo os meus pais há um ano e meio”, sublinha a jogadora de 22 anos. “Era suposto visitarem-me este Natal, mas com a pandemia ficou completamente fora de questão. Mas falo com eles quase todos os dias. Com a diferença horária por vezes é complicado, também não quero chateá-los às duas da manhã de Portugal, porque eles também trabalham. Às vezes mando mensagem a dizer que está tudo bem e que quando puder ligo.” No entanto, a ligação às raízes vai chegando sob a forma de correio, apesar de neste momento ser tudo mais difícil, por causa da Covid-19. “No meu primeiro Natal mandaram-me uma encomenda com bacalhau, chouriças e uns bolos que os meus pais fazem.” A alimentação nos Estados Unidos não é particularmente variada - “já não posso ver frango à minha frente” – mas as colegas de equipa, apesar de fazerem caretas, acabam por ficar rendidas à gastronomia lusa. “Este Natal juntámos aqui as coisas. Fizemos o nosso bacalhau, toda a gente provou e adorou. É uma forma de matar as saudades, mas da família e dos amigos é que sinto mesmo falta.” Ainda assim, admite, o regresso a Portugal, para já, só de férias. “Não é o que quero fazer. Ainda tenho aqui mais dois anos e meio para ficar aqui, porque nos deram um ano extra por causa do covid. Se os aproveitar bem serão muito importantes e vão ditar o meu futuro. Quero jogar a nível profissional e nesse mundo os treinadores olham para a estatística. Contratam pessoas pelos números. Vejo-me a jogar numa liga europeia, vamos ver. Também gostava da WNBA, mas ainda há uma grande discrepância a nível monetário entre homens e mulheres. De milhões para milhares e isso é ridículo.”