Sociedade
Bolo-rei, gelado de medronho e aspirina de sabugueiro. Autóctones voam abaixo do radar
À volta de 99% da produção de sabugueiro destina-se à exportação para países como a Alemanha e Países Baixos
A sustentabilidade é, cada vez mais, um conceito incontornável no nosso dia-a-dia.
Faz cada vez menos sentido adquirir frutas e matérias-primas que atravessam o globo em navios e aviões poluentes, quando no local onde vivemos existem espécies autóctones com o mesmo potencial que, por desprezo, desconhecimento ou desmazelo não valorizamos.
Os medronheiros e os sabugueiros são apenas dois exemplos destas espécies que, a pouco e pouco, estão a ficar sob o foco dos empreendedores.
O medronheiro faz parte da paisagem do planeta pelo menos desde a extinção dos dinossauros.
Trata-se de um arbusto arbóreo extrema- mente resistente e que até prolifera em condições extremas.
A maior parte dos portugueses já ouviu falar nele e nos seus frutos, os medronhos, mas sempre com uma névoa que faz dele uma espécie quase mística e provocadora de bebedeiras, reais ou imaginadas.
O fruto rico, vermelho e com características antioxidantes é um dos favoritos do Rui Lopes, nutricionista, investigador no CiTechCare do Instituto Politécnico de Leiria, que dedicou parte da sua vida a procurar maneiras de o rentabilizar.
Começou com experiências com pão de medronho e, depois disso, deu largas à imaginação.
No ano passado, lançou um requintado bombom de medronho e este ano, destinados ao mercado Horeca – hotéis, restaurantes e cafés - a aposta, a partir do início do ano, serão dois gelados de medronho.
“Um com sabor natura e outro com boost aromático”, explica.
Antes, porém, a pensar já na quadra que se avizinha, será possível adquirir bolo-rei de medronho em algumas superícies comerciais escolhidas.
“A primeira será, a partir de Dezembro, o Coviran, anuncia Rui Lopes.
O medronheiro ocorre naturalmente em 100% do território nacional, e o seu fruto tem um alto potencial antioxidante, maior do que o do açaí, fazendo com que o seu consumo seja benéfico para a saúde.
Rui Lopes é proprietário da empresa Medronho & Canela, spinoff do IPL, criada para dinamizar a comercialização do “Pão Medronho”, criado por si e abrir a porta a outros produtos de inovação alimentar e nutricional.
Sabugueiro, esse conhecido
Numa acção de formação sobre silvicultura, António Mendes ouviu Bruno Cardoso, director da ONG Inovterra, associação para o desenvolvimento local, falar da cultura do sabugueiro (Sambucus nigra) e ficou fisgado com a ideia e possibilidade de adoptar uma nova cultura e instalá-la nos seus terrenos, que teria facilidade de escoamento a nível internacional.
“Quando os outros continuavam a falar do pinheiro-manso ou medronheiro, o Bruno Cardoso levou o sabugueiro para a apresentação.”
António iria descobrir que a árvore de flores aromáticas e frutos negros, comum na região de Leiria, é muito procurada pelas indústrias têxtil, farmacêutica e alimentar.
Além disso, a principal empresa transformadora e exportadora de baga de sabugueiro está sediada no Parque Industrial Manuel da Mota, em Pombal.
“Falei com o Bruno, que é de Tarouca, região onde a cultura está estabelecida há séculos, investiguei o assunto, fiz as contas e comecei a plantar sabugueiro”, conta.
A maioria dos cidadãos já beneficiou das propriedades medicinais deste arbusto, quando tem uma dor de cabeça.
“A flor é utilizada, por exemplo, na composição da aspirina, e os frutos são destinados para as indústrias alimentar e têxtil, para servir como corante,” explica Bruno Cardoso.
A baga de sabugueiro chegou a ser usada como corante e componente do Vinho do Porto, uma prática que o responsável recorda ter sido proibida pelas autoridades nacionais, apesar de alguns produtores assegurarem que o aditivo, devido às suas propriedades antioxidantes, era uma mais-valia.
O sabugueiro é muito resistente a pragas e à cada vez menor disponibilidade de água.
Ocorre em todo o território nacional e, caso seja regado, a produção de frutos aumenta em 30%.
Após a plantação, bastam quatro anos para atingir a produção plena.
No nosso País, contabilizam-se 600 produtores, que exploram 450 hectares.
À volta de 99% da produção destina-se à exportação para países como a Alemanha e Países Baixos, que são os principais mercados, como explica Bruno Cardoso.
"É uma pena não ser explorado. Na verdade, encontramos muitos produtos no mercado, que incorporam sabugueiro nacional e depois importamos. O valor acrescentado vai para os países para onde exportamos”, lamenta.