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Cartas para Leiria e para o Futuro, Jorge Vaz Dias: “Ainda há poemas-correio a pousar no colo do amor”

2 jul 2020 09:01

"A arte foi a única que nos manteve esperançosos e a nave para viajarmos entre constelações de nós-vós, onde os teus meninos foram código de revolução humana para manter tudo coeso e a verdadeira tecnologia de enviar pessoas para o espaço que nos une"

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Jorge Vaz Dias, DJ e gerente de bar
Zito Camacho

Hoje, Jorge Vaz Dias escreve a Hugo Ferreira.

Este é um projecto de troca epistolar, organizado em corrente: 12 pessoas da cidade procedem ao envio de uma carta dirigida a uma outra pessoa que vive num bairro diferente, explorando a cidade como referência, tendo em conta expectativas de um amanhã. O que querem melhorar, o que acham importante conversar, o que é urgente repensar. Abrem uma conversa pública entre pessoas que se conhecem e não se conhecem, mas que partilham o espaço de uma cidade agora.

As Cartas Para Leiria e para o Futuro integram a programação de MAPAS, que decorre em Leiria de 1 a 12 de Julho de 2020, com o JORNAL DE LEIRIA como media partner.

Para acompanhar diariamente, online, no site do JORNAL DE LEIRIA e no site de MAPAS (https://www.m-a-p-a-s.com/).

"Leiria, 8 de Junho de 2020

Querida Leiria,

Caro Hugo,

Escrevo-vos do meu futuro, como sobrevivente poeta-agricultor e agradecidamente velho.

Fui um agente de cultura até um meteorito pandémico ter embatido no nosso mundo. Tudo mudou: já se vivia a erosão por parte das instituições e a intolerância dos que não cresceram com a cidade e o desenvolvimento. Não sem antes termos experimentado uma imunidade de grupo, confinados em horários-espartilho ameaçando-nos de uma morte lenta em prol dos interesses "laboratoriais" de alguns, que buscavam oportunidades futuras numa realidade distópica e lucrativa apenas para si.

Agora, num planeta onde se luta pela terra, para produzir alimento seguro e natural, feio mas bonito de origem, buscamos aquilo de que a urbe nos isolou. Sim, Patrícia, tenho bem em mente o testemunho que me deixaste nesse longínquo ano de 2020 e que tentamos agora fazer valer. Ansiamos neste canto fazer a nossa parte do voo intergaláctico ao centro de nós próprios, chegando onde nenhum homem ousara antes chegar e conservando o único planeta em que temos ainda algumas condições de habitar.

Hugo, digo-te aqui neste momento que a arte foi a única que nos manteve esperançosos e a nave para viajarmos entre constelações de nós-vós, onde os teus meninos foram código de revolução humana para manter tudo coeso e a verdadeira tecnologia de enviar pessoas para o espaço que nos une.

Igualmente a todos os que nos mapearam conservando-nos livres de mente, abrindo portas para este futuro mais conscientes e certos de que somos frágeis, mas como comunidade e descodificados em arte e entendimento, somos um.

Hugo, Leiria, oiço ainda os ecos do Blackstar do Bowie. Sim, ele também chegou aqui, tal como todos os eternos que não morrem, pois o seu legado dá corpo e espírito a gerações num lugar que pode ser em qualquer lado do Universo. O nosso é esta cidade onde as pessoas depositaram sementes de futuro e fizeram brotar esperança ao ouvido dos novos.

Ainda há gente que faz coros com as andorinhas nesta Primavera distante. Ainda há poemas-correio a pousar no colo do amor. Amem-se por respeito ao futuro, amigos.

O vosso,

Jorge Vaz Dias"

Cartas anteriores:
1. Patrícia Martins