Viver

Cecília Malheiro, jornalista: “é preciso erguer o povo à altura da cultura e não rebaixar a cultura à altura do povo”

19 mar 2016 00:00

Uma viagem inevitável? Macau, um Portugal no Oriente. Nova Iorque, Havana e Banguecoque.

Se estivesse ligada ao mundo da arte, o que seria?
Gostava de ser bailarina, actriz e palhaça de circo. Também gostava de ter sido cantora e saber tocar pelo menos um instrumento. Conseguir ser pintora era outro sonho… escritora um desejo, mas se soubesse fazer banda desenhada com piada já era feliz!

O projecto que mais gozo lhe deu fazer
Ter duas filhas, sem dúvida, tudo o resto é um projecto menor! O espectáculo, concerto ou exposição que mais lhe ficou na memória Um concerto da PJ Harvey, em Bruxelas, quando fiz Erasmus e de Walkman. Nick Cave e Belle and Sebastian, no Primavera Sounds do Porto.

O livro da sua vida
Marco literário na adolescência foi O Crime do Padre Amaro, do Eça. Um livro de cabeceira é o Livro do Desassossego, do Pessoa. Nos meus 20 anos, altura em que o meu pai morreu, Cem anos de Solidão, do García Márquez, mas também me apaixonei pelo Amor em tempos de Cólera. Sou fã de Bukowski.

Um filme inesquecível
Não pode ser um, são três. Azul, Branco, Vermelho, a trilogia de Krzysztof Kieslowski, que me marcou enquanto universitária. Juno, de Jason Reitman, sobre uma jovem de 16 anos que engravidou e deu o bebé a um casal que não podia ter filhos. Io sono l’amore, drama italiano de Luca Guadagnino, pela fotografia e intensidade da história.

Se tivesse de escolher uma banda sonora para si, qual seria?
Nas fases mais melancólicas, escolheria Velvet Underground. Para as manhãs, escolheria a banda sonora do filme Amélie, pelas músicas do Yann Tiersen. Para a parte da tarde, a energia de Metric e, ao crepúsculo, Belle and Sebastian para dançar pela noite dentro.

Um artista que gostava de ter visto no Teatro-cine de Pombal?
A minha deusa da música PJ Harvey. E, continuando no campo dos impossíveis, talvez uma peça de teatro com Brigitte Bardot e Marilyn Monroe.

Um vício que não gostava de ter
Fumar.

Um luxo
Saber que me amam como sou. Ter uma família que me recebe de braços abertos (algumas até dançam quando entro em casa depois de dois dias fora em trabalho). Ter trabalho e ser apreciada pelo que faço.

Uma personalidade que admira
Simone de Beauvoir com frases tão certas como “todas as vitórias ocultam uma renúncia” ou “que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa substância” e Coco Chanel, a estilista com um carácter tão especial que um dia disse que o “acto mais corajoso é pensar pela nossa cabeça, atreve-te”. Agostinho da Silva pela forma simples com que me ajudou a mim, através da sua filosofia: “Temos sobretudo de aprender duas coisas: aprender o extraordinário que é o mundo e aprender a ser bastante largo por dentro, para o mundo todo poder entrar”.

Um actor que gostava de levar a jantar
Fico-me pelo Jude Law… e o Jeremy Irons … e o Daniel Craig e ficava a ouvi-los falar de cinema pela noite dentro.

Um restaurante da região
Tromba Rija, Manjar do Marquês, Varanda do Casal (Fragas de São Simão/Figueiró dos Vinhos), Tasquinha Pombalense, Pizzaria Jardim Itália (Pombal), Moinho (Castanheira de Pera).

Um prato de eleição
Cabrito assado, coelho no forno, filetes de peixe-galo ou de pescada, caldo verde caseiro ou sopa de saramagos, ovo estrelado caseiro molhado em pão estaladiço.

Um refúgio (na região)
Fontão, uma aldeia da Castanheira de Pera, onde o meu pai nasceu. Aí, aprendi a apanhar azeitona e a varejar uma oliveira. Aí senti o maior frio do mundo e também o coração mais cheio de amor numa cozinha à lareira.

Um sonho para Pombal
Desejo o que desejo para todas as cidades da periferia: que continue a lutar contra o centralismo lisboeta, que lute para dar justiça ao seu povo, que mantenha as escolas e os centros de saúde, e que seja uma cidade capaz de dar muralhas de cultura aos munícipes, pois, como dizia Simone de Beauvoir: “é preciso erguer o povo à altura da cultura e não rebaixar a cultura à altura do povo”.