Sociedade

Ciganos de Alcobaça reclamam de bairro que se tornou num “gueto"

14 mar 2019 00:00

A comunidade cigana troca acusações com o resto da população de Alcobaça. Uns dizem-se excluídos num bairro-gueto. Outros indignam-se com o ambiente de permissividade

ciganos-de-alcobaca-reclamam-de-bairro-que-se-tornou-num-gueto-9989
Daniela Franco Sousa

A convivência da comunidade cigana com a restante população de Alcobaça não tem sido pacífica. Mas agora há quem advogue que as hostilidades podem ser amenizadas. Basta para isso que se escolha um mediador capaz de estabelecer pontes entre todos, consideram alguns.

Numa loja da cidade, Sónia Rodrigues e Josefina Martins desfiam opiniões negativas sobre os ciganos de Alcobaça. “Criam conflitos com tudo e com todos. Se estamos a tomar café e eles chegam, não são educados, é uma barulheira”, relata Sónia, contanto que também têm por hábito passar “de carro a alta velocidade”.

À beira dos 80 anos, Josefina indigna-se com a comunidade. No bairro onde moram “juntam lixo no chão, cortam os portões das garagens. Os prédios estão uma degradação. Não têm civismo nenhum. Não há regras para eles”, conta a idosa.

E a culpa é do Estado, atira Sónia Rodrigues. “Recebem subsídios sem trabalhar”, critica a munícipe, que pede ocupação para este grupo de cidadãos. Descontentes estão também as pessoas de etnia cigana que residem em Alcobaça.

Salomé Cesteiro, de 46 anos, mora na cidade desde os 16. Passou os primeiros tempos a morar em barracas, na Rua da Palmeira, mas está alojada no Bairro da Bela Vista desde 2006. Tal como o seu marido, Paulo Lima, também Salomé admite que o conforto nestes prédios é muito superior. Mas isso não é suficiente, defendem os dois. “Puseram-nos aqui, fora de tudo”, aponta Salomé, frisando que naquele bairro social só foram alojados ciganos.

E acrescenta que até na escola já foram feitas reuniões onde só estavam pais de meninos ciganos. “Eles é que fazem o racismo. E nós não podemos mudar se eles também não mudam”, considera Salomé.

Paulo Lima reforça a tese da esposa. “Foram abertos cursos para quem estava a receber rendimento social de inserção. Há centenas de pessoas nessa situação em Alcobaça. Mas só fizeram o curso para ciganos. Não misturaram as pessoas”, repara o morador. E há algum tempo “colocarama circular uns autocarros escolares muito bonitos, mas eram só para crianças de etnia cigana. Não misturavam as pessoas. E isso é racismo”, denuncia Paulo Lima.“Assim nunca vão aprender a estar juntos uns com os outros”, acrescenta a esposa. 

“Alguns dos nossos meninos são convidados para ir a festas de aniversário na casa dos amigos e nós nem nos sentimos bem em levá-los, porque não temos confiança nas pessoas”, remata Salomé.

Pelas contas de Paulo, vivem neste bairro 24 famílias, cerca de 200 pessoas. As mulheres são domésticas e os homens vivem de trabalho sazonal, na apanha de fruta. Mas encontrar emprego é muito difícil para os ciganos que, quando chegam à entrevista, se deparam muitas vezes com a “vaga preenchida”, relata Paulo Lima.

Isabel Costa, presidente da União das Freguesias de Alcobaça e Vestiaria, também entende que alojar toda a comunidade naquele bairro não é benéfico para ninguém. Nem benéfico é o ambiente de “permissividade” em que a comunidade cigana vive. Urge encontrar soluções entre todos (professores, governantes e demais autoridades), sendo que a figura do mediador pode ser um dos caminhos, defende a presidente.

Esta foi também a proposta dos vereadores socialistas à Câmara de Alcobaça: “que o Município adira ao programa para a formação de mediadores ciganos, o ROMED, na terceira edição, desta vez com o apoio financeiro da secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade”. Ouvidos pelo nosso jornal sobre essa possibilidade, também vários membros da comunidade cigana se mostraram agradados.

Vereadora Inês Silva responde

Câmara faz trabalho de inclusão

Ouvida pelo JORNAL DE LEIRIA, Inês Silva, vereadora da Acção Social, não tem conhecimento de que nalguma escola ou Centro de Emprego ou balcão de Segurança Social tenham sido criadas iniciativas segregadoras. Antes pelo contrário. “Nas escolas, todas as crianças têm direito a acompanhamento, acesso a material escolar, alimentação, visitas de estudo, etc. Todos têm as mesmas condições. São todos iguais.” E na Segurança Social, “há técnicos que acompanham várias gerações das famílias de etnia cigana. Já foram realizados muitos projectos em que todos participaram. Eles conhecem os técnicos, há uma relação próxima e de diálogo constante. Daí que a figura de mediador não seja nova”, embora sem essa terminologia. “Todas as actividades da Câmara, Carnaval, Feira de São Bernardo, Comemorações de 25 de Abril, Doces Conventuais ou outras, são abertas a todos”, frisa a autarca. Quanto ao facto de existir um bairro só para ciganos, Inês Silva explica que a Câmara tem medidas de apoio ao arrendamento, sendo que o arrendamento pode acontecer por todo o concelho. “Viver naquele bairro pode ser também uma escolha da comunidade, que temos de respeitar”, nota.