Viver

Como se financia a cultura?

8 mai 2016 00:00

Há quase 20 anos que o Festival de Jazz de Valado dos Fradesse realiza ininterruptamente, oFestival de Teatro Acasovai para a sua 21.ª edição e a Orquestra de Jazz de Leiria vai organizar, em Julho, a primeira edição do Festival da Orquestra de J

(Fotografias: DR)
Jacinto Silva Duro

 Como se angaria o dinheiro necessário para a organização de eventos, culturais ou artísticos? “O conceito do lucro aparece associado à visão contabilística da vivência em comunidade.

As diferentes profissões, as actividades, não apenas culturais ou artísticas, são definidas e valorizadas em função da dimensão utilitária nelas contida. Para que serve estudar filosofia? Qual o interesse de estudar línguas e literaturas? Qual é a importância do teatro? Para que queremos financiar ópera se só dá prejuízo? Que contributo dá o ballet para o avanço da sociedade?”, questionava, na semana passada, Valdemar Cruz, na coluna Linha do Norte,no semanário Expresso.

Portugal jamais foi um sítio onde as artes tiveram um lugar de destaque. País de marinheiros pobres e fomes sazonais, o povo português foi amaldiçoado com a epopeia dos Descobrimentos, que deu novos mundos ao Mundo, mas cujos dividendos em ouro, especiarias, marfim, escravos e pedras preciosas acabariam por alimentar o fausto e o luxo das elites nacionais, mal preparadas para o pensamento estratégico e de futuro.

Na prática, as naus regressavam do vasto império português, carregadas, mas nem sequer aportavam em Lisboa, seguindo para os portos fora do País para pagar vaidades da Corte. O povo, esse, mourejava nas courelas dos grandes latifundiários, sendo-lhe vedado o acesso ao ensino e a um pensamento formado pelo confronto de ideias. Restava-lhe o regaço de Cristo, da sua mãe e pai.

Era nas igrejas que os mais simples tomavam contacto com as piedosas e ricamente decoradas figuras votivas de santos, anjos, arcanjos e rechonchudos querubins de carnes corde-rosa. Se a vida terrena era dor, a julgar pelas obras de arte sacra, o plano divino afigurava-se... divino. 
Era este o pensamento dominante no Portugal dos Descobrimentos e nos séculos que se seguiram. Quando os Médicis, os Sforza, os Bórgia e outros ricos e poderosos comerciantes, príncipes, condes, bispos e banqueiros financiavam e investiam na produção de arte como maneira de obter reconhecimento e prestígio na sociedade, impondo ao Mundo o Renascimento, Portugal fechava-se.

Não é, pois, de estranhar que a cultura e as artes continuem a não ser uma prioridade no País, especialmente, quando se vive em crise económica cíclica. Evidentemente, há outros sectores onde gastar dinheiro e que são, igualmente, prioritários. Refere Valdemar Cruz que o que nos diferencia enquanto humanos não se esgota na visão utilitarista de custo-benefício do que fazemos. “Será importante saber quanto custa um festival, por uma questão de transparência.

Não menos decisivo, porém, é perceber como iniciativas destas, sem terem resultados mensuráveis do ponto de vista económico, contêm implícito um lucro inimaginável para a sociedade que pretendemos formar. Será um lucro do domínio do intangível. Mas um lucro, ainda assim.”

Avaliar para melhor apoiar
Que o enriquecimento intelectual de uma comunidade é indissociável do avanço nas artes, na tecnologia e no bem-comum, já muitos o escreveram e provaram com estudos, teses e dissertações. O mecenato, o voluntariado e o apoio público têm a sua quota parte de responsabilidade.

Evidentemente, em tempos de crise, não é possível continuar a esperar que o Estado e as autarquias sejam uma espécie de entidade paterna benevolente que subsidia toda e qualquer actividade que se diz cultural ou que se apresenta como arremedo artístico.

Em Portugal, a avaliação dos projectos deveriam ser uma prática comum e institucionalizada, através de pressupostos claros e objectivos de qualidade, inovação, salvaguarda patrimonial e criatividade, que se baseiam apenas em números de espectadores e não dependam apenas da vontade de quem tem responsabilidades, no momento das candidaturas e após a realização dos eventos.

Como perseveram, ano após ano, os históricos festivais de música, cinema ou teatro? E as associações e grupos culturais? Além dos apoios oficiais, de onde vem o dinheiro para a manutenção das associações e realização de eventos culturais e festivais da mesma índole, organizados por colectividades, associações e grupos de cidadãos?

O director artístico d'O Nariz – Teatro de Grupo, de Leiria, Pedro Oliveira, revela que o Festival de Teatro Acaso, um dos mais antigos e importantes certames cénicos nacionais, recebe cinco mil euros, desde há 21 anos. Foi esse o orçamento inicial atribuído pela autarquia e, desde então, o montante mantém-se. “Na época era muito dinheiro, agora, continua a ser uma soma considerável, mas não é suficiente.”

O Acaso dura mais de um mês e leva a Leiria algumas das melhores companhias cénicas nacionais. Como conseguir a verba em falta? Através da criatividade. O Nariz troca favores e actuações com as companhias convidadas, estabelece parcerias com a restauração e hotelaria locais e assim vai contribuindo para o ambiente cultural de Leiria. Mais recente em termos de anos de existência, a Orquestra de Jazz de Leiria conta com o apoio da Câmara de Leiria, na realização de concertos com convidados, e na cedência do Teatro Miguel Franco para ensaios.

“Estamos agora a tratar da questão dos sócios da associação de modo a criar condições e protocolos para que os sócios possam ter benefícios”, esclarece César Cardoso, director da Orquestra, adiantando que apesar de haver algum apoio por parte do município “os valores são irrisórios”. “A Orquestra de Jazz de Leiria só continua a funcionar porque os músicos tocam por gosto e por um cachetsimbólico que paga, basicamente, só as despesas de ensaios e concertos.” 

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