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“Curar o comum” é o lema da candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura, que foi enviada hoje
Gonçalo Lopes, presidente da Câmara Municipal de Leiria: "Estamos na linha da frente"
Em inglês, “curate the commons”; em português, “curar o comum”. A tradução “não é literal”, mas “acrescenta sentidos”, explica Lígia Afonso, uma das cinco pessoas, todas mulheres, responsáveis por redigir o livro de candidatura (bid book) de Leiria a Capital Europeia da Cultura, que foi enviado hoje por correio pelo presidente do Município, Gonçalo Lopes, às 12 horas e 27 minutos, num volume com 20 exemplares, com o Ministério da Cultura como destinatário, para chegar a Bruxelas, a partir da estação dos CTT do Leiria Plaza.
“Curar o comum” é o lema da candidatura da Rede Cultura 2027, liderada por Leiria, que reúne 26 municípios dos distritos de Leiria, Santarém e Lisboa e concorre com outras 11 cidades portuguesas: Aveiro, Braga, Coimbra, Évora, Faro, Funchal, Guarda, Oeiras, Ponta Delgada, Viana do Castelo e Vila Real.
Na conversa que se seguiu na sede da Rede Cultura 2027, em Leiria, no Mercado de Sant'Ana, com transmissão na internet, Lígia Afonso explicou que “este é um território de cura” e, desde sempre, um “espaço de atravessamento”, onde cabem o termalismo e a peregrinação, mas, também, palavras como abrigo, encontro e hospitalidade.
“A Europa é um encontro entre diferentes” e a região que Leiria encabeça na corrida pelo estatuto de Capital Europeia da Cultura 2027 é “um protótipo” da Europa construída a partir da miscigenação.
“Curar também as feridas, no sentido regenerativo”, num território “cuja paisagem precisa de ser regenerada”, acrescentou Lígia Afonso, lembrando os incêndios de Pedrógão Grande e do Pinhal de Leiria e a “necessidade de revitalização dos centros históricos das cidades”.
Curar é também cuidar e nesta perspectiva a Rede Cultura 2027 manifesta a ambição de “assumir a curadoria” na programação e defender não só a “densidade programática” como a “profissionalização da candidatura e do tecido artístico e cultural da região”.
O bid book de Leiria (obrigatoriamente, pelo regulamento, em inglês) é escrito “em cima das necessidades e dos desejos” dos agentes culturais ouvidos no processo, porque “há práticas de excelência” nos 26 municipios, salienta Lígia Afonso.
Da palavra inglesa commons, Ana Bonifácio, também responsável pela redacção do bid book, com cerca de 60 páginas e respostas a 50 perguntas, numa equipa em que estiveram, ainda, Ana Umbelino, Elisabete Paiva e Teresa Andresen, destaca “o colectivo”, “o que é de todos”, “o que é público”, numa Rede, a Rede Cultura 2027, que diz querer motivar os processos de participação e democratização na cultura e na gestão do território, com mais poder para a população e para as comunidades.
Transformar, criar, fazer acontecer “é um talento que está no nosso ADN”, no ADN de Leiria e dos concelhos vizinhos, lembrou Ana Bonifácio durante a conversa no Mercado de Sant'Ana.
Por outro lado, “a política é feita por todos”. Logo, há na candidatura “esse sentido de uma governança comum e de uma gestão comum” que se quer ver reflectida na “programação cultural”.
“Não vamos construir infra-estruturas”, garantiu. “Acreditamos nesta ideia de regenerar”.
Outra ideia central da apresentação desta quinta-feira é a do tempo longo, representado, simbolicamente, pelo calcário que liga os municípios da Rede Cultura 2027.
Dos dinossauros ao Menino do Lapedo, cuja descoberta abriu nova linha de investigação científica, ao mostrar que neandertais e sapiens se misturaram.
“Esta criança é o testemunho de como a Europa não é feita de sapiens que destruíram neandertais, esta Europa é feita de todos, nearndertais e sapiens, não sendo uns mais inteligentes do que outros e sendo todos criadores”, resumiu Paulo Lameiro, coordenador do grupo executivo da Rede Cultura 2027.
Para Lígia Afonso, o Menino do Lapedo é, pelo cuidado que o seu enterramento revela, também um exemplo de que o cuidar do outro é historicamente relevante para a Humanidade desde tempos ancestrais.
Ao mesmo tempo, a candidatura quer que o tempo longo seja “o tempo futuro”. E “apostar naquilo que perdura e tem continuidade”, por oposição à cultura da espectacularidade e do efémero.
O programa “não está fechado” e a equipa quer que tenha “uma dinâmica pública e participada” pela população e que contribua para “a cidadania cultural”.
“Acreditamos que vamos passar à final e também acreditamos que em 2027 se vai celebrar em Leiria uma grande festa da cultura”, diz Paulo Lameiro.
O presidente da Câmara Municipal de Leiria, Gonçalo Lopes, considerou que a entrega da candidatura, seis anos após o anúncio do objectivo, é o resultado de “um esforço muito grande, colectivo” e mostra a “transformação cultural que Leiria sofreu” nos últimos anos, com mais confiança e mais oferta.
Por outro lado, diz o autarca, confirma que com “entusiasmo, estratégia e sacrifício” se consegue “mudar o território e a vida das pessoas”.
“Claramente, nos últimos 10 anos a cultura passou a ser a marca de Leiria”, defende Gonçalo Lopes, para quem a Rede Cultura 2027 “não é um projecto político individual”.
“Aquilo que temos para oferecer é merecedor de um palco europeu e mundial”, afirma.
Os 26 municípios reunidos são a expressão de que Leiria quer olhar da varanda do castelo em vez de se esconder entre muralhas, porque “a Europa também é uma construção de países diferentes”, uma visão que chegou ao processo através de João Bonifácio Serra, presidente do conselho estratégico.
“É uma rede forte em termos de números, em termos de argumentos, em Portugal é única. Não há ninguém que consiga juntar tanta população, tanto património cultural construído, tantos agentes culturais, a seguir a Lisboa e Porto”, salienta Gonçalo Lopes. “Estamos na linha da frente”.
Do trabalho já produzido, fica um balanço “muito importante para continuar a construir cultura em rede e a partilhar experiências, mas também para concretizar uma capital europeia única em Portugal e na Europa”, considera o presidente do Município de Leiria.
Ao final do dia de hoje é divulgado o filme da candidatura, depois da reunião do conselho geral da Rede Cultura 2027, de que fazem parte todos os presidentes de câmara, com o propósito de aprovar o orçamento e plano de actividades para o próximo ano, incluindo algum apoio à programação.
O anúncio de finalistas é esperado no primeiro trimestre de 2022 e a designação da Capital Europeia da Cultura 2027 vai ocorrer em Dezembro de 2022 ou Janeiro de 2023.
A escolha é da responsabilidade de um júri de peritos independentes, com membros nomeados pelo Parlamento Europeu, Conselho Europeu, Comissão Europeia, Comité das Regiões e pelo Ministério da Cultura português.