Sociedade
David Neves: “As suiniculturas não são o único agente poluidor na região”
O presidente da Recilis diz que é com “grande frustração” que olha para o arrastar do processo da ETES (Estação de Tratamento de Efluentes Suinícolas) e frisa o “empenho” do sector na resolução do problema.
A Recilis solicitou a prorrogação do prazo para o início das obras da ETES, justificando o pedido com a necessidade de avaliar aspectos relacionadas com a sustentabilidade do projecto. Por que é que essas questões aparecem nesta fase, quando a obra já devia estar em conclusão?
Se fosse um projecto simples, há muito que estaria concluído. Quando foi lançado o concurso público, havia a expectativa que aparecesse uma diversidade de soluções técnicas e de concorrentes. Várias empresas levantaram o caderno de encargos, mas só surgiu uma proposta. Foi preciso validá-la em todas as vertentes. Do ponto de vista técnico, não nos oferece grandes dúvidas. Ao nível da sustentabilidade económica é que há questões a limar. Podíamos simplesmente constatar que não há dinheiro para pagar e rejeitar a proposta. Mas, tendo em conta a sua valia técnica, entendemos que há condições para a melhorar. É isso que estamos a fazer, tentado encontrar uma solução que permita viabilizar o investimento. Sempre defendemos uma solução com uma tarifa que o sector consiga incorporar nos seus custos. Caso contrário, deixa de ser solução.
As questões agora levantadas não foram acauteladas em sede de caderno de encargos e de estudo económico-financeira?
Foram vistas ao nível dos elementos essenciais do concurso, que têm a ver com o investimento e com a tecnologia adoptar para tratar o efluente. Há depois a componente relacionada com a exploração e manutenção da estrutura. A opção apresentada tem custos de exploração muito elevados. Estamos a tentar perceber, por exemplo, se ao nível dos reagentes, que representam um custo significativo, há no mercado alternativa àqueles que estão na proposta. Queremos também a avaliar se é possível ajustar o processo de conservação e manutenção da estrutura ao longo dos 25 anos. Estamos próximos de um ponto de equilíbrio. Acredito que há condições para fechar o processo, com a adjudicação, até 30 de Abril.
O que está em causa é o valor da tarifa a pagar pelos suinicultores?
É. A solução tecnológica apresentada implica um processo de exploração, com recurso a determinados consumíveis, que remete para custos muito acima do valor que o sector tem capacidade para pagar. Estamos a aproximar-nos de um ponto de equilíbrio.
Mas outros sectores têm de incorporar os custos ambientais...
Os suinicultores não fazem o preço daquilo que vendem. Não vendem pelo valor que querem, mas pelo preço que o mercado lhes paga. Noutras zonas do País e, sobretudo, em Espanha há preocupações diferentes das que legitimamente existem na região de Leiria. Não podemos perder competitividade face ao resto do mercado, sob pena de o sector desaparecer. Se onerarmos os custos de produção de forma a que o sector não liberte margem, as empresas que tenham estrutura e capacidade poderão sair de Leiria. Outras encerrarão. Essa deslocalização poria em risco um conjunto de postos de trabalhos e teria impactos no tecido sócio-económico. Daí, o envolvimento dos municí- pios no projecto e na busca de soluções.
Há quem acuse os municípios de estarem mais preocupados com a questão económica do que com a ambiental.
É uma crítica infundada. Não existe ambiente sem economia e vice-versa. A actividade pecuária não é incompatível com o bom desempenho ambiental. As suiniculturas não são o único agente poluidor na região. Notamos nos autarcas uma grande vontade de, por um lado, resolver o problema ambiental e, por outro, pugnar pela manutenção do sector.
Diz que o sector não é o único agente poluidor, mas quando olhamos para os níveis de poluição da bacia hidrográfica percebe-se que há uma componente muito forte de contaminação orgânica.
Isso é indiscutível. Mas, se olharmos com detalhe para a monitorização que tem vindo a ser feita pela associação ambientalista Oikos, vemos que há uma melhoria das linhas de água. Por outro lado, há pontos de monitorização onde não existem suiniculturas mas que apresentam níveis de contaminação superiores a outros onde há pecuárias. Não estou a ilibar o sector de responsabilidades. A nossa convicção é que, mesmo resolvendo o problema das suiniculturas, não vamos ficar com as linhas de água despoluídas. O sector tem servido para, ao longo dos anos, ocultar e desviar a atenção de outras situações.
Quer concretizar?
Não se trata disso. Temos de ser pró-activos. A questão do ambiente diz respeito a todos. Nenhum sector, a começar pela suinicultura, tem o direito de pôr em causa o futuro das gerações. E o ambiente é um eixo fulcral. Os suinicultores têm feito um trabalho muito grande a esse nível. A questão é que se mediatizou muito a problemática de Leiria, mas há outras bacias com produção suinícola com problemas tão ou mais graves do que os da região.
Com o arrastar do processo não há o risco de quando, e se for, construída, a ETES já não ser necessá- ria ou já estar desactualizada?
A proposta apresentada no concurso preconiza tecnologia recente. Estes últimos anos não foram muito prósperos ao nível do desenvolvimento de tecnologia nesta área. Por um lado, é mau, porque significa que não houve grande evolução. Por outro, há a vantagem de as tecnologias a adoptar já estarem perfeitamente testadas. Quanto ao risco de desaparecimento do sector, recordo que, desde que foi lançado, o projecto teve em linha de conta as mudanças que o sector ia sofrendo. Apesar de a ETES ainda não ter sido construída, não significa que tenhamos estado parados. Quando falá- mos da ribeira Milagres, grande ícone desta questão, percebemos que houve uma evolução considerável. Hoje, já temos água limpa e peixes na ribeira dos Milagres.
Leia mais na edição impressa ou torne-se assinante para aceder à versão digital integral deste artigo.