Sociedade
Defesa alega que jovem acusado de terrorismo “vivia num mundo virtual”
Ministério Público pede pena de prisão efectiva para estudante da Batalha. Decisão será conhecida a 19 de Dezembro
O advogado do estudante acusado de planear um ataque terrorista na Faculdade de Ciências de Lisboa declarou esta sexta-feira, 18 de Novembro, que o jovem "vivia num mundo virtual", alegando que este adquiriu armas apenas "para se exibir" na Internet.
À saída do tribunal, após as alegações finais do julgamento, cuja leitura do acórdão ficou marcada para 19 de Dezembro, Jorge Pracana refutou a tese do Ministério Público (MP) de que houve "intenção" do jovem em cometer um assassinato em massa, de forma indiscriminada, na Faculdade de Ciências de Lisboa, realçando que o arguido, "no fundo, o que pretendia era exibir-se perante a comunidade [online] onde vivia".
"Ele vivia num mundo virtual. As armas estavam lá e não pomos isso em causa, mas tudo aquilo era um cenário, como se passa no teatro. Era um teatro da vida dele", argumentou o advogado, observando que se o jovem - que sofre da síndrome de Asperger (expressão mais ligeira da perturbação do espetro do autismo) - tivesse tido acompanhamento psicológico permanente quando veio estudar sozinho para Lisboa nada disto teria acontecido.
Segundo Jorge Pracana, o que o jovem necessita agora é de "acompanhamento médico" e não da prisão, reiterando que defende a absolvição do arguido pelo crime de treino para terrorismo, muito embora aceite que o tribunal "faça justiça" ou aplique uma sanção por causa da posse de arma proibida. Facas, uma besta e cocktails molotov foram apreendidos pela PJ no quarto do jovem nos Olivais.
Na sala de audiência e em sede de alegações finais, o advogado realçou que João Carreira "não era uma pessoa violenta" e que "tudo não passou de uma representação" de um jovem que veio estudar para Lisboa, sofrendo do isolamento familiar e também do isolamento dos colegas de faculdade que não compreenderam a sua doença, agudizando esse mesmo isolamento resultante da doença e da depressão sentida no período em que os factos ocorreram.
Face à alegada "confusão mental" do arguido nessa fase da sua vida académica, Jorge Pracana pediu ao colectivo presidido pelo juiz Nuno Costa que considere a "inexistência do crime de terrorismo", admitindo que o tribunal terá pela frente uma "decisão difícil" de analisar.
Na apreciação deste caso, o advogado pediu ao tribunal que tivesse ainda em consideração que João Carreira, 19 anos, cooperou sempre ao longo do processo, respondendo sempre às perguntas, devendo o colectivo de juízes ter ainda em ponderação que o jovem está inserido na sua família, não tem antecedentes criminais e sofre de uma doença que está comprovada por relatórios médicos.
Por todos estes motivos, a defesa considera que a proposta do MP de sancionar o jovem com uma pena de prisão efetiva não inferior a três anos de prisão em estabelecimento prisional (embora com acompanhamento psiquiátrico) é uma pena "desmedida e injusta".
Nas alegações finais da parte do MP, a procuradora Ana Pais referiu que, tendo em conta os factos confessados pelo arguido, João Carreira deverá ser condenado naquela pena de prisão pelos crimes de treino para terrorismo (da lei do terrorismo) e detenção de arma proibida.
A procuradora salientou que o arguido disse em julgamento que se propunha a efectuar no mínimo três homicídios para que a sua acção pudesse ser considerada um "assassinato em massa".
A justificar o crime de terrorismo imputado ao arguido, a procuradora vincou que o plano de João Carreira "não tinha um alvo em particular", sendo uma acção "indiscriminada" que tanto podia ter como vítimas colegas da Faculdade, professores ou funcionários daquela instituição de ensino superior.
"A marca de água do terrorismo é esta indiscriminação, em que qualquer um de nós pode ser o alvo" desse ataque, enfatizou a procuradora, considerando que esse elemento típico do crime de terrorismo - a "indiscriminação" quanto às vítimas – se verificou neste caso.
Em desfavor do arguido, a procuradora recordou que João Carreira, "mesmo sabendo que a Polícia Judiciária (PJ) andava atrás dele, manteve o propósito de cometer os actos" de que foi acusado.
"As razões de prevenção geral neste ilícito [terrorismo] são gritantes", conclui a procuradora Ana Pais, justificando assim a sanção penal pedida para o jovem.
Segundo o plano desmantelado pela PJ, a acção terrorista concebida por João Carreira estava marcada para 11 de Fevereiro deste ano.
Após ser detido, João Carreira ficou em prisão preventiva, tendo a medida de coação sido substituída por internamento preventivo no Hospital Prisional de Caxias.