Sociedade

É Natal, é Natal, lá vem o peru!

22 dez 2016 00:00

Sabe por que razão enfia uma árvore em casa no Natal? Ou por que monta um presépio e come bacalhau na Consoada?

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Jacinto Silva Duro

Temos de admitir que a frase feita “a tradição já não é o que era” fica mesmo a matar em tudo o que tem a ver com o Natal. Esqueçam a festa da família, da luz, da boa vontade entre os povos, do nascimento de Jesus Cristo, arauto do amor incondicional entre as pessoas, esqueçam a partilha, esqueçam… a tradição.

Porque, afinal, a tradição faz-se todos os dias e neste momento em que sofremos do vírus da modernidade galopante, tudo o que nos lembre dos nossos avós e dos lares ancestrais cheira-nos a mofo e a cafona.

Não raro, queremos é ser cosmopolitas, chiques, bonitos, originais... só não queremos ser cafonas e vamos adicionando costumes novos, impulsionados pelo marketing e sociedade de consumo às nossas “tradições familiares” portuguesas.

Comecemos pelo eterno combate entre o barbudo, barrigudo e dono da mais conhecida gargalhada do mundo, o Pai Natal, versus o nosso, português, original e pobrezinho Menino Jesus.

Se nasceu antes de meados da década de 80 do século passado, o mais certo é ter recebido ainda prendas no sapatinho – e não na meia - directamente das mãos do Menino Jesus. E caso se tivesse portado mal, receberia apenas uns pedaços de carvão.

Se nasceu depois dessa data, não só passou a receber sempre prenda, como o Menino Jesus, talvez por andar a dar prendas acima das suas possibilidades, foi substituído pelo robusto e nórdico Pai Natal, com as suas vestes vermelhas debruadas a pêlo branco de um qualquer animal árctico, montado num trenó, para vencer os “enormes e profundos campos de neve” da nossa Lusitânia natal, naturalmente puxado por renas de cujos nomes só nos lembramos do Rodolfo, devido ao seu nariz vermelho.

Não interessa muito qual dos dois é o responsável pelas oferendas que encontramos debaixo da árvore de Natal, que já foi um pinheiro natural e que agora, talvez devido à escassez de tais árvores, passou a ser uma conífera de plástico, mais ecológica e reutilizável.

Afinal, não fazia sentido ter um eucalipto de Natal, no meio da sala, a cheirar a rebuçados para a tosse e incêndios de Verão, não é? Nem iria combinar com as cortinas!

Para o nosso texto, o que interessa e vai ser o nosso foco, é a origem das tradições. De notar que não é nossa intenção retirar o brilho e tudo o que de bom normalmente o Natal traz, enquanto festa da família.

Comecemos pelo Menino Jesus. É fácil de perceber a sua proveniência, pois ele é a imagem central – ou deveria ser – da celebração do Natal. Resumidamente, se não houvesse este bebé na tradição cristã, não haveria Festa da Natividade.

Não sabemos exactamente em que dia nasceu ou sequer em que ano isso aconteceu. Alguns biblistas, depois de analisar os Evangelhos, situam o evento entre o anos 6 a.C. e 6 d.C., provavelmente no mês em que nascem os cordeiros, o que justificaria a presença dos pastores junto ao estábulo em Belém, ou seja, nunca antes de meados de Março. Como foi então que o dia do nascimento de Cristo passou a ser celebrado a 25 de Dezembro?

Temos de perceber que, em primeiro lugar, o que diferenciava o cristianismo das restantes religiões da época, que tinham deuses poderosos menos humanos e mais sobrenaturais, era a questão da morte e ressurreição, para expiação dos pecados do Homem, e não o seu nascimento.

E era precisamente isso que esteve no centro da adoração a Jesus nos primeiros séculos de cristianismo. Quaisquer relatos e recordações possíveis da data perderam-se no tempo. Só quando o imperador romano Constantino começou a professar o cristianismo, na sequência da sua vitória sobre Magêncio na Batalha da Ponte Mílvia, em 28 de Outubro de 312, perto de Roma, é que se promoveu a celebração do nascimento de Cristo.

Para isso, era necessário derrubar antigos deuses e tradições. Assim, as Saturnália, a festa do solstício de Inverno, uma espécie de réveillon na época dos romanos, coincidia com o dia 25 de Dezembro – actualmente, o solstício verifica-se a 21 de Dezembro -, por ser uma festa de luz e passou a ser também a do nascimento de Cristo.

Já agora, as prendas que oferecemos à família e amigos, nesta data, pouco ou nada têm a ver com o ouro, incenso e mirra que os supostos reis magos levaram ao bebé Cristo. Durante as Saturnália, que se celebravam entre 17 e 25 de Dezembro, as famílias ofereciam pequenas estátuas votivas aos seus elementos.

Os historiadores consideram que essas representações serviam para substituir um costume mais antigo, do início da civilização romana no Lácio, quando eram feitos sacrifícios humanos. Já sabe, neste Natal, quando receber mais um par de peúgas ou um pijama daquela tia que cheira a água-de-rosas e dá beijos húmidos cheios de batom, dê graças por não ser a cabeça do padeiro que, um dia, olhou de lado para ela… ou do leiteiro.

Mesmo a figura destes sábios do Oriente é controversa e não está bem explicada na Bíblia. Em primeiro lugar, não há um número determinado de sábios e por outro, em lado algum se refere que eles fossem reis… ou sábios.

Há mesmo quem coloque a visita no mesmo dia do nascimento de Jesus, variando a interpretação até três anos depois.

A figura do Pai Natal
Passemos agora ao Pai Natal que, tão repentinamente, roubou o pódio ao Jesus Menino. O velhote, gordo, afável, cheio de bonomia, que desce até à árvore de Natal pela mais estreia das chaminés ou mesmo sem chaminé. Ele é a imagem mais comercializada e identificada com o consumismo acéfalo da quadra.

A figura na génese da lenda do Pai Natal é o bispo de Hipona, São Nicolau. Aliás, em vários países, ele ainda é conhecido por esse nome, veja-se o caso anglosaxónico SantaClaus – agregação de Saint Nicholas.

Nicolau foi arcebispo de Mira, na actual Turquia, no século IV, e tornou-se conhecido por ajudar, anonimamente, quem estivesse em dificuldades financeiras, colocando algumas moedas na chaminé das casas.

Depois de lhe serem atribuídos alguns milagres, a Igreja Católica acabou por declará- lo santo. Com o tempo, os povos germânicos – a Alemanha e Áustria ainda não existiam – transformaram- no num símbolo natalício, a par da árvore de Natal.

Com a saída de muitos emigrantes da Prússia e de outros territórios que haveriam de formar a Alemanha, em busca de uma vida melhor nas Américas, o corpulento santo passou a ser visto como símbolo noutros locais.

Mas apenas no início do século XX a sua figura foi usada comercialmente e, através de algumas estratégias de marketing, disciplina que dava os seus primeiro passos, o Pai Natal, Papai Noël, SantaClaus ou Père Nöel assumiu o seu papel como imagem de marca registada do Natal, suplantando Cristo, verdadeira razão para a celebração da data.

Não, não foi a Coca-Cola quem criou o Pai Natal
Já ouviu dizer que foi a Coca-Cola quem primeiro usou a figura bonacheirona, de barbas brancas para ajudar a vender a sua “água suja do capitalismo”? Pois, não é verdade. Antes de a empresa de refrigerantes norte-americana o usar nos seus anúncios ao ar livre, a imagem do velhinho simpático, de figura e riso farto, que veste de vermelho, já era utilizada há vários anos.

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