Sociedade

Excesso de presentes pode criar pequenos ditadores e narcisistas

22 dez 2016 00:00

Natal é sinónimo de presentes. São poucos aqueles que pensam no Natal como o nascimento de Jesus Cristo. O excesso de prendas que são oferecidas às crianças leva a que a maioria não dê importância ao que recebe.

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Longe vai o tempo em que as famílias se reuniam para celebrar o nascimento de Jesus Cristo e em que as crianças colocavam o sapatinho na chaminé à espera de uma pequena lembrança trazida pelo filho de Deus. Hoje, para os mais novos é o Pai Natal que deixa as prendas e esperam receber tudo aquilo que pediram, mesmo que muitas das coisas pedidas não passem de uma ideia fugaz trazida pelo marketing agressivo e muito direccionado às crianças nesta altura do ano.

No Natal, a reunião familiar costuma juntar dezenas de pessoas, o que se acaba por traduzir em dezenas de presentes de uma só vez. Às doze badaladas, ouvem-se muitos gritinhos de alegria e sofreguidão em rasgar todo o papel que embrulha as prendas oferecidas. Mas poderão ser momentos efémeros, uma vez que minutos depois e com uma grande confusão no chão as crianças dedicam-se a apenas um brinquedo ou simplesmente já não querem saber do que receberam.

Ana Gomes confirma esta euforia. “Recebem muitas prendas e depois não ligam a nenhuma delas, com a agravante que um dos meus filhos faz anos em Novembro e o outro em Dezembro, pelo que recebem muitos presentes num curto espaço de tempo.” Mãe de duas crianças com 1 e 4 anos, Ana reconhece que muitas das prendas são “apenas lembranças” que se estragam ao primeiro contacto e acabam no saco do lixo.

Revelando que os filhos recebem cerca de 15 presentes, Ana Gomes afirma que os pais oferecem uma única prenda. “Procuramos saber o que ele – a mais nova ainda não pede - quer realmente, o que nem sempre é fácil tendo em conta que os miúdos são bombardeados com muita publicidade. Mas se vamos gastar dinheiro, que seja em algo que eles querem e que vão aproveitar.”

Mãe de um rapaz com dois anos e de uma menina com 12 anos, Ana Rodrigues não permite que os filhos recebam as prendas todas de uma vez, “para que possam dar valor ao que recebem”. Na noite de Natal, a euforia é tanta que “depois de abrirem o primeiro presente, já se esqueceram dele”. Por isso, abrem o que for roupa e os brinquedos ficam limitados a um ou dois. Esta mãe tem consciência que nem sempre esta atitude é bem compreendida por quem oferece, mas alerta que para as crianças é mau, pois “nem conseguem assimilar” tudo o que têm nas mãos.

“Para evitar o excesso de presentes falamos com as pessoas para combinar o que podem dar. Não precisa de ser uma coisa cara, mas é melhor ser algo de que eles gostam e que seja útil do que alguma coisa comprada só para dizer que ofereceram um presente”, diz Carla Ferreira mãe de duas crianças com 8 e 3 anos, que confessa que prefere que “não dêem nada”. Como as outras pessoas normalmente oferecem brinquedos, Carla Ferreira e o marido optam por comprar roupa, calçado ou livros. “Durante o ano vamos comprando um ou outro brinquedo, de modo a que não recebam muitos de uma vez.”

O psicólogo António Frazão adianta que o excesso de brinquedos poderá levar a crianças menos felizes. “Ter o que se quer, acontece enquanto os pais acham que ser bons implica fazer todas as vontades da criança. Porque têm medo de perder o amor dos filhos, fazem tudo para agradar. O filho, de rei passa a imperador ditatorial. Mas um dia deixa de ser possível que a vida e os outros continuem a aceitar a atitude egocêntrica que a criança desenvolveu. Ficam reunidas as condições para uma existência menos feliz”, alerta.

“Se começam com exigências, listas, ou dizem 'eu não pedi isto, pedi aquilo' e fazem birra, estamos a alimentar - se cairmos nessa armadilha - a fogueira do 'quero tudo já e como eu mando', o que é um passo para pessoas narcísicas e socialmente terríveis”, sublinha o pediatra Mário Cordeiro.

É um erro compensar com presentes
Será que os pais tentam compensar a falta de tempo na vida das crianças com a oferta de presentes? “Trata-se de uma boa pergunta. Mas o estar pouco na vida deles não será por falta de tempo, mas pelas nossas escolhas quanto à ocupação do tempo disponível das obrigações pessoais e profissionais. Tenho grandes dúvidas que as gerações anteriores tivessem mais tempo livre. A questão está na definição das nossas prioridades”, constata António Frazão.

Já o pediatra Mário Cordeiro afirma que a oferta de prendas é uma “possibilidade dos pais e da família” compensarem a sua ausência, “mas é um erro”. “Um presente é uma coisa simbólica e não é nem pode ser uma exibição de show off, ostentação e concurso de 'euros'. Não é por se darem muitas coisas materiais que se aumenta o 'capital afectivo e imaterial: o amor”, garante.

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