Sociedade

Faleceu antigo provedor da Misericórdia de Leiria

21 jan 2016 00:00

Daniel Silva, que foi provedor da Santa Casa da Misericórdia de Leiria durante 32 anos, faleceu ontem, quarta-feira, aos 93 anos. O funeral realiza-se hoje, às 15 horas, em Leiria.

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Maria Anabela Silva

Formado em Engenharia Electrotécnica, Daniel Silva começou por trabalhar nas minas de urânio da Urgeiriça. Mais tarde, foi sócio-gerente da Electrolis, onde esteve durante mais de 30 anos.

Em paralelo com a actividade profissional, Daniel Silva dedicou a causas sociais e ao associativismo, com destaque para os 32 anos como provedor da Misericórdia de Leiria. “A grande obra foi a construção do lar, no sítio da antiga praça de touros. Não havia apoios do Estado. Tínhamos apenas a renda do Hospital D. Manuel de Aguiar. Mas a população e as empresas da região deram-nos um enorme apoio”, recordou, em Junho último ao JORNAL DE LEIRIA.

Terminado o seu percurso na Misericórdia de Leiria, foi convidado pelo padre Vítor Melícias para integrar a administração do Centro de Deficientes Profundos João Paulo II, em Fátima, onde esteve 18 anos.

Do seu currículo associativo faz ainda parte a fundação do Lions Clube de Leiria e a passagem pelo Conselho Consultivo da União de Leiria. “Foram 50 anos de trabalho voluntário que dei à sociedade. Mas dessa experiência também recebi muito do ponto de vista humano”, confessa naquela entrevista, para a rubrica “História de vida”.

 

Leia aqui, na íntegra, o texto publicado na edição de 11 de Junho de 2015:

 Estatura franzina, olhar vivo e sorriso sempre pronto a despontar dos lábios. É assim que, à primeira vista, se apresenta Daniel Silva, engenheiro electrotécnico que foi provedor da Misericórdia de Leiria durante mais de 30 anos. À medida que a conversa evolui, sobressai a energia contagiante com que vai desfiando alguns episódios de 93 anos de vida, dedicada à área social, ao sector empresarial e ao associativismo. 

É ainda como aluno universitário que testa a sua vocação empreendedora. Com a morte dos pais, decide “não quer viver à conta” do irmão e aproveita a vinda mensal do petroleiro São Brás a Lisboa para montar o seu primeiro 'negócio'. “Trocava roupa interior de senhora, que me era fornecida por um amigo do meu pai, espanhol como ele, por produtos de beleza, sabonetes ou pasta de dentes, que se vendiam bem em Lisboa”, recorda.

Depois, abriu, com um dos irmãos, uma drogaria em Leiria, em frente ao antigo Café Colonial, com uma importante secção de espingardearia.  Entretanto, é tempo de procurar emprego na sua área de formação (Engenharia Electrotécnica).

A primeira metade do século XX estava a terminar e as oportunidades não eram muitas. Tentou um lugar em Alcobaça, para chefiar os serviços eléctricos no concelho. “Era o único candidato que não tinha cunha. Um, tinha cunha um de um deputado, outro do governador civil e outro da mulher do Presidente da Republica, Óscar Carmona”. 

A emigração para o Brasil, onde vivia uma irmã, foi a hipótese que se seguiu. Comprou bilhete para a viagem de barco e pediu o passaporte. Os preparativos estavam a correr bem, até que, certo dia, é abordado pelo o comissário da polícia, quetinha “ordem” para lhe apreender o passaporte. 

“Disse-me que fosse falar com o governador civil. Assim fiz. Expliquei-lhe que não conseguia arranjar trabalho e que estava farto de viver à custa da família. Respondeu-me que, para ir, precisava de ter uma carta de chamada e de autorização da Junta da Emigração. Mas era tanta gente a querer emigrar. À minha frente tinha 17 mil pessoas. Desisti”.

Por sugestão da sogra, viúva do advogado Paulino da Costa Santos, respondeu a um anúncio. Era da companhia inglesa que estava a explorar as minas de urânio da Urgeiriça. “Pediram-me para fazerum teste. Não era habitual. Deram 20 minutos para responder a 20 perguntas”. Dias depois, é chamado de novo. O director português, “o eng.º Byrne, que era da Maceira [pai do arquitecto Gonçalo Byrne], disse-me que o meu teste tinha sido o melhor e convidaram-me para ficar. Davam-me 4.500 contos, casa, água, luz, lenha e um carro. Só precisava de levar a mulher. Casei e fomos. Estive lá 10 anos”.

Dois anos antes do fim da concessão das minas, foram-lhe apresentadas três alternativas para quando o contrato terminasse: integrar a junta de energia nuclear que se ia criar, receber uma indemnização ou ir trabalhar para a comunidade britânica, eventualmente, para a Jamaica.

Acabou por seguir um caminho diferente: passou a integrar a Electrolis, onde foi sócio-gerente e esteve durante mais de 30 anos. Em paralelo com a actividade profissional, Daniel Silva dedicou-se também a causas sociais e ao associativismo, com destaque para os 32 anos como provedor da Misericórdia de Leiria.

“A grande obra [na Misericórdia] foi a construção do lar, no sítio da antiga praça de touros. Não havia apoios do Estado. Tínhamos apenas a renda do Hospital D. Manuel de Aguiar. Mas a população e as empresas da região deram-nos um enorme apoio”.

Terminado o seu percurso na Misericórdia de Leiria, foi convidado pelo padre Vítor Melícias para integrar a administração do Centro de Deficientes Profundos João Paulo II, em Fátima. “Uma instituição fantástica”, onde esteve 18 anos.

Do seu 'currículo' associativo faz ainda parte a fundação do Lions Clube de Leiria e a passagem pelo Conselho Consultivo da União de Leiria. “Foram 50 anos de trabalho voluntário que dei à sociedade. Mas dessa experiência também recebi muito do ponto de vista humano”, diz Daniel Silva, pai de dois filhos (ambos médicos) e viúvo de Maria Cecília.