Sociedade

“Fiz-me homem sem nunca ter sido menino”

28 ago 2016 00:00

Vítor Santos, antigo sindicalista e presidente de direcção da Cooppovo

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Daniela Franco Sousa

Trabalhou longas décadas no vidro e diz que o trabalho que desenvolveu como sindicalista foi, além dos seus dois filhos, das coisas mais bonitas que fez na sua vida. Falamos de Vítor Santos, que é hoje presidente de direcção da Cooppovo, na Marinha Grande.

Vítor Santos foi nascer ao Hospital de Leiria, a 17 de Outubro de 1947. O seu pai era natural da Barosa, foi vidreiro naquela que é hoje a BA Vidro e também matava porcos. E sua a mãe, natural da Amieirinha, trabalhava no campo.

Foi numa barraca, na Amieirinha, na Marinha Grande, que Vítor Santos viveu como os seus pais e mais oito irmãos. Além destes, existiam ainda mais dois, de uma relação extra-conjugal do pai, relata Vítor Santos.

Foi num cenário de grande pobreza, com o pai alcoólico e violento, que o jovem cresceu depressa de mais. Havia que ajudar a mãe e que contribuir para o orçamento familiar. E quando a mãe morreu, ainda jovem, na casa dos 50 anos, foi a Vítor Santos que competiu criar os irmãos. “Costumo dizer que me fiz homem sem nunca ter sido menino”, conta o presidente da Cooppovo.

Vítor estudou até à quarta classe e passou nos exames de admissão para a escola industrial. Para a prova oral teve até de estudar sozinho, já que não tinha dinheiro para pagar as aulas extra de preparação para o exame. Mas o esforço compensou. Nesse dia foi o melhor, recorda Vítor Santos.

Infelizmente, os estudos na Calazans Duarte não duraram muito. Era preciso entrar calçado na escola, lembra Vítor, que passados alguns meses depois do início do ano lectivo estragou, a jogar à bola, os únicos sapatos que o irmão lhe tinha emprestado.

Foi trabalhar aos 13 anos, no vidro, na fábrica que também empregava o pai. E por lá se manteve até aos 57 anos. Ainda se lembra de fazer vários turnos seguidos, para amealhar dinheiro e assim ter mais algum, para além da semanada que entregava à mãe.

Embora tenha amigos religiosos, entre eles o Bispo de Viseu, com quem travou conhecimento por acaso, num restaurante, Vítor Santos diz-se descrente em relação a todas as religiões.

A descrença surgiu ainda em menino, quando pediram dinheiro a todas as crianças para oferecer uma prenda ao padre que ia deixar a Marinha Grande. A sua mãe nem sequer tinha dinheiro para alimentar os filhos, como podiam pedir-lhes tal coisa? E as visitas habituais do padre à barraca da família não deixaram memórias melhores. O pároco atirava doces ao chão, deixando as crianças a acotovelar- se para tentar comer uma guloseima, aponta Vítor Santos.

A sua aproximação com a igreja só teve carácter utilitário. Costumava aparecer na catequese, porque os católicos organizavam passeios para a miudagem, e também se juntava à comunidade baptista, que doava roupa aos pobres. Foi também com esse propósito utilitário que se casou pela igreja. Apenas “porque era de graça”, salienta Vítor Santos.

Do serviço militar, que cumpriu em Tancos e em Monte Real, lembra-se das reuniões secretas que tinha com os sargentos, que a pretexto de jogos de lerpa, entre bolos e brandy, discutiam política num armazém.

Foi também durante a tropa que casou. A sua mulher, hoje ex-mulher, esperava pelo primeiro dos seus dois filhos.

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