Viver
“Há cada vez mais mulheres a fazer magia”
Solange Kardinaly, ilusionista, vencedora do Festival Internacional de Màgia Li-Chang, de Badalona
Com progenitores ligados às artes circenses, de onde vem o seu talento para a magia? Do lado do pai ou da mãe?
Faço parte da terceira geração de ilusionistas. O meu avô paterno era mágico e também vivia perto de Leiria. O meu pai e a minha mãe são mágicos. Segui os seus passos. Desde pequenina que aprendi. Tinha quatro anos quando comecei a participar com eles nos números de magia.
Participava como?
Nas grandes ilusões do meu pai. Aparecia dentro de uma caixa que estava vazia. Fui crescendo e perdendo o receio e com 7 ou 8 anos comecei a ir à televisão com os meus pais e foi também com essa idade que me iniciei nos números de magia sozinha. Apresentei-me, pela primeira vez, no colégio de Monte Redondo. A partir daí, comecei a actuar sozinha, incluída no espectáculo do meu pai. Ganhei um prémio internacional em Valongo, no Magic Valongo, o melhor congresso de magia em Portugal, quando tinha 10 anos. A partir daí, fui crescendo e desenvolvendo o meu trabalho. Fiz digressões, em circos e televisões por todo o mundo, passei por um programa de magia em França, apresentado por Patrick Sébastien, Le Plus Grand Cabaret du Monde. Passei pelo Got Talent e acabei a percorrer o mundo após essa participação, com o meu número de Quick Change, que consiste numa troca rápida, mágica, de roupa. Com ele ganhei um primeiro prémio de magia, no festival internacional de magia de Almussafes, em Espanha, fui a primeira mulher a vencê-lo, em 27 anos de existência do congresso. Em 16 concorrentes era a única mulher presente. Foi em 2018. Nesse ano, em Portugal, fui galardoada, pelo Quick Change, como Mágica do Ano, pela Federação Portuguesa de Ilusionismo. Recentemente, ganhei o prémio do público no Festival Internacional de Màgia Li-Chang, em Badalona (Barcelona/Espanha), onde competi contra vários campeões do mundo. Mais uma vez, eu era a única mulher. Pelo que sei, sou a única portuguesa a ganhar este galardão.
Regresso a Leiria
Nasceu em Leiria há 30 anos. Com ligações familiares à mais conhecida família circense de Portugal, os Cardinali, Solange viveu, cresceu e estudou em Monte Redondo, onde frequentou o Colégio Luís Pereira da Costa.
"O meu pai, quando eu tinha 8 anos, comprou uma casa em Monte Redondo. O circo e os Cardinali fazem parte da minha família tanto do lado do meu pai, como da minha mãe", esclarece. Enquanto crescia, a vida levou-a a actuar em vários países da Europa, em festivais de magia e televisão, mas o lar era sempre Monte Redondo.
Vive, hoje, no Entroncamento, com o marido, que é também um mágico internacional, campeão da varinha de ouro, em Monte Carlo, nos Mandrakes de Ouro, uma espécie de "óscares da magia".
É campeão de Espanha e de França, tendo percorrido todo o mundo em digressões.
Regressa bastas vezes a Leiria, onde tem amigos, e actuou, há três anos, no Fesmonte, em Monte Redondo, num regresso a casa. Também já apresentou, no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria, o seu premiado número de Quick Change.
Por que razão não é comum ver mulheres nesta profissão?
Há cada vez mais mulheres, desde há poucos anos, a fazer magia. Muitas mais do que quando comecei. Penso que a luta pela igualdade de género está a ajudar a que isto aconteça. As mulheres também parece que têm mais interesse pela magia e ilusionismo. A internet ajuda a que seja mais fácil aderir a esta arte. Antigamente, era tudo mais fechado, guardava-se muito os segredos e mesmo os mágicos não partilhavam nada. Era difícil aprender e comprar truques de magia. Agora é muito mais acessível e fácil aos interessados aprenderem magia. Noto também que há mais mágicos jovens. Em Portugal, continuo a ser a única profissional, mas noto que há mais interessadas. Em todo o mundo, há poucas pessoas a fazerem a solo o Quick Change, normalmente, é um número feito em duo, homem e mulher. Eu preparei-o para o fazer sozinha, marcando um pouco a diferença. Além disso, também canto e dou um toque pessoal ao que faço.
É uma arte onde o segredo continua a ser a alma, mas, por aquilo que vemos quando actua, o Quick Change é um número muito físico e técnico. Quanto tempo demorou a desenvolvê-lo?
Foram anos. Comecei a fazê-lo quando tinha 21 anos. Fui-o criando a pouco e pouco. Quando o iniciei não era como agora. Confecciono todo o vestuário, além das técnicasque adaptei a mim. Estou sempre a mudar de fatos para me adaptar às tendências, para não ficar com roupa fora de moda. Com o passar do tempo, desenvolvi segurança nos movimentos e técnica.
A magia aprende-se com outros mestres? Ou há escolas?
Há muitas maneiras de aprender. Há livros, há DVD, há vídeos, há professores, há mágicos que dão cursos. Aprendi com outros mágicos, sozinha e em congressos. Aprendemos uns com os outros, em conferências, há lojas de magia... mas o essencial são o trabalho, esforço e dedicação pela arte.
Aproveitou o último ano de paragem forçada, devido à pandemia, para criar um novo espectáculo?
Um espectáculo completamente novo, não. Eu e o meu marido, que é também um mágico internacional espanhol, perdemos os contratos longos que fazíamos em cruzeiros... Em Janeiro, ainda consegui fazer a apresentação do novo Volkswagen T-Cross, em Singapura. O anúncio mostra uma rapariga que muda várias vezes a roupa, demonstrando a versatilidade do veículo. E eu fazia-o ali, em directo, em frente do público, sem usar efeitos especiais e de câmara. No ano passado, confinados, desenvolvemos uma máscara para mágicos, que tem um efeito mágico. Vendemos 2500 exemplares para todo o mundo e temos vários modelos. Ela permite aos mágicos poderem continuar a actuar, nos espectáculos onde há contacto com o público, proporcionando um efeito de magia. Ficámos muito contentes com o resultado final, onde se podem mostrar um naipe de carta ou outra imagem. Foi um trabalho complicado, onde fui eu quem desenvolveu toda a técnica e sistema.