Abertura
Histórias de quem viveu a ponte aérea que trouxe 300 mil pessoas de Angola
Em pleno Verão Quente de 1975, Portugal montou uma ponte aérea que trouxe cerca de 300 mil pessoas de Angola. Quarenta e cinco anos depois, recuperámos memórias desse tempo, com testemunhos de quem o viveu.
Foram horas e horas de espera na placa do aeroporto de Luanda, a dormir no chão, em cima de uma manta – quem a tinha – quase sem comida, com pouca água e três pequenas malas. À volta, um amontado de gente, amedrontada, que “só queria sair dali”. Pessoas que, tal como Ana Oliveira, fugiam à guerra que se instalara em Angola, deixando para trás meses de “pânico”, muitas vezes, debaixo de fogo e de ameaças reais de morte, mas também uma vida “feliz”.
Professora aposentada, Ana Oliveira foi uma entre os milhares de pessoas que no Verão de 1975 integraram a ponte aérea montada para retirar cidadãos de Moçambique, Guiné e, sobretudo, de Angola. Só deste país vieram cerca de 300 mil pessoas, em mais de 900 voos operados pela TAP, mas também por companhias estrangeiras e pela Força Aérea, fugidas à guerra civil que se instalara no território ainda sobre administração portuguesa.
Quarenta e cinco anos depois, recuperámos memórias desse tempo, pela voz de Ana Oliveira, Luís Gusmão, Noribal Cabral, Amélia Alegria e João Barbas.
Ana Oliveira: “Lembro-me de pensar: 'estamos safos'”
Tantos anos depois, continuam ainda muito vivas as recordações que Ana Oliveira guarda dos meses de angústia que antecederam a decisão de partir, consumada a 13 de Outubro de 1975. Tinha então 23 anos e dava aulas aos filhos dos funcionários de um pólo universitário em Nova Lisboa (actual Huambo).
Os pais eram fazendeiros, na província do Bié. Foi, aliás, um incidente ocorrido numa das propriedades da família a determinar que era a hora de partir. Uma noite, um grupo de guerreiros da UNITA “invadiu” a casa de um tio. “Achavam que estávamos a esconder alguém. Mataram o cão. O quarto da minha avó ficou como um crivo, tantos foram os tiros. Felizmente, não a atingiram. Tudo isto aconteceu com seis crianças em casa”, conta.
Ana Oliveira não presenciou o incidente porque vivia em Nova Lisboa. Mas aí os riscos não eram menos. Pelo contrário. Várias vezes, no trajecto entre casa e a escola, foi abordada por elementos dos movimentos independentistas. “Possuía cartão dos dois [MPLA e UNITA]. Tinha de tentar adivinhar de que partido eram, para mostrar o certo”. Escapou sempre, sem problemas, a essas investidas, como também escapou ilesa às várias trocas de tiros a que assistiu entre os partidários das várias forças de libertação de Angola.
Depois do episódio ocorrido no Bié e com o intensificar da violência contra os portugueses e entre os movimentos independentistas, a família de Ana tomou consciência de que “não havia condições” para ficar. Fizeram-se ao caminho, de carro, e partiram em coluna até Nova Lisboa, seguindo depois para Luanda. Chegados ao aeroporto, tiveram de esperar quase cinco dias, por uma vaga num dos aviões. Dormiram no chão, alimentaram-se com ração de combate, que os militares ali presentes dividiam com eles. “A ansiedade de sair daquele terror era tanta que nem fome sentíamos”.
O embarque
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