Sociedade
Investigador sinaliza bruxos e bruxas de Leiria perseguidos pela Inquisição
O número de processos aumenta no século XVIII e tem um pico em 1750, com duas explicações prováveis, segundo José Vieira Leitão: a influência do Iluminismo e a Visitação de 1749 pelo bispo da diocese
João Luís, o benzedor da Ortigosa, dizia acreditar que lhe tinham sido dados poderes especiais por Deus, que usava, primariamente, para combater a raiva.
É um dos casos apreciados pela Inquisição na região de Leiria e classificados como magia pelo investigador José Vieira Leitão, numa lista onde também se encontra Josefa de Jesus, a idólatra das Colmeias, que contou que via o diabo, que voava durante a noite e que matava crianças.
Há ainda outro processo notável, em Regueira de Pontes, em que constam cinco pessoas da mesma família: a mãe, Maria da Conceição, e as quatro filhas, todas acusadas de bruxaria.
Na pesquisa de José Vieira Leitão, constitui magia “tudo aquilo que é excluído da prática religiosa ortodoxa e tudo aquilo que é excluído da prática médica ou científica academicamente conceptualizada e aceite”.
Com base nesta definição, o doutorando da Universidade de Coimbra, na área da História Moderna, que é mestre em Teologia e Estudos Religiosos e doutorado em Física Experimental, identificou, até à data, 42 processos instaurados pela Inquisição na região de Leiria (26 de residentes e 16 de não residentes).
Os números referem-se ao território do distrito ou bispado e foram divulgados no sábado, 6 de Novembro, no encontro científico 1821-2021 – Nos 200 anos da extinção do Tribunal do Santo Ofício, impactos da Inquisição na região de Leiria, organizado pelo município no Centro de Diálogo Intercultural de Leiria – Igreja da Misericórdia.
No levantamento realizado por José Vieira Leitão, para o período entre 1589 e 1791, a maior parte das acusações diz respeito a bruxaria e pactos, visões e revelações.
Com menor frequência aparecem curas, proclamações heréticas, feitiçaria, benzedores, magia popular e mandingas.
Quanto a sentenças, as mais comuns eram os autos de fé públicos, as instruções espirituais e os açoites. Não se conhecem condenações à fogueira.
O número de processos aumenta no século XVIII e tem um pico em 1750, com duas explicações prováveis, segundo José Vieira Leitão: a influência do Iluminismo e a Visitação de 1749 pelo bispo da diocese, aproveitada para sinalizar crimes e denúncias, que apanha, por exemplo, João Luís (o benzedor da Ortigosa) e as cinco mulheres de Regueira de Pontes.
Tal como no resto do País, há mais bruxas do que bruxos: 32 mulheres e 10 homens.
José Vieira Leitão traça o arquétipo do praticante de magia na região de Leiria, naquela época, aos olhos do Santo Ofício: mulher, cristã- velha, falava com Deus ou com Nossa Senhora.
Quase 400 cristãos-novos inquiridos
No encontro científico de sábado na Igreja da Misericórdia, o investigador Saul António Gomes, da Universidade de Coimbra, falou sobre o principal grupo social vigiado pela Inquisição em Portugal, os cristãos-novos (judeus convertidos).
Um dos primeiros processos em Leiria visa a viúva Catarina Rodrigues, uma anciã, referida como tendo cerca de 100 anos de idade, que em 1563 é levada para Lisboa para sofrer o relaxamento à fogueira, por, na Rua do Forno e noutros locais públicos, com o estatuto de mais velha da comunidade, conversar com mulheres cristãs-novas para manter viva a memória das práticas judaizantes.
O caso de Miguel Lobo, também acusado de práticas judaizantes, irmão de Francisco Rodrigues Lobo, é revelador de como muitas vezes os cristãos-novos se denunciavam entre si, por ódios entre famílias e questões de honra. Todas as acusações do processo se baseiam em relatos de cristãos-novos.
O período de grandes delações e prisões ocorre entre finais do século XVI e inícios do século XVII.
No total, até agora, Saul António Gomes identificou 400 processos instaurados pela Inquisição até 1642 contra cristãos-novos que se relacionam com Leiria. Destes, pelo menos 15 relaxados à fogueira em Lisboa.
O Tribunal do Santo Ofício foi erigido em Portugal em 1536, a pretexto da defesa da pureza da fé.