Sociedade

Javier Urra, psicólogo: “para as crianças, brincar é tão necessário como o alimento”

1 jun 2017 00:00

O especialista espanhol autor do livro 'O Pequeno Ditador' considera que os pais têm dificuldade em dizer não e afirma que a maioria dos jovens controla o que bebe.

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Os pais querem ser perfeitos e terem filhos perfeitos. Há algo de errado?
É um desejo, é lógico, mas não é real. Os pais não são perfeitos nem os seus pais tão pouco o foram, o que não tem mal. Os filhos darão-nos muitas alegrias, mais ainda daquelas que imaginamos. Todos queremos que os nossos filhos sejam de uma forma, e a maioria será, mas os filhos são educados pelo pai e pela mãe, que são distintos, pela sociedade, pelos meios de comunicação social, pelas redes sociais, pela sua vontade e pela sua liberdade. Tenho uma filha de 32 anos e um filho de 38 anos e são maravilhosos. Mas são exactamente como eu achava que seriam? Não, certamente, e é assim que deve ser, porque são livres.

Actualmente, os pais passaram de ditadores a submissos?
Sim. Não os pais, mas a sociedade. Portugal e Espanha viveram uma ditadura. Tinha-se medo e respeito aos pais. Hoje há pais que têm medo dos filhos, há professores que têm medo, não sei se é dos alunos ou se é dos pais dos alunos. Hoje, qualquer jovem desafia a polícia. A autoridade diluiu-se. Mas se está bem por um lado, está mal por outro. Por exemplo, as famílias querem que a casa seja uma democracia. Não pode. Em casa tem de haver os adultos, que têm um critério, que antecipam, que analisam, que obrigam a comer vegetais, porque faz bem, mesmo que os filhos não gostem. Não é uma relação de igual para igual. Respeito sim, conversar sim, mas as decisões são dos adultos. Esta é uma sociedade que vive o momento: quero aqui e agora. É uma sociedade de parque temático da disney: há que ser feliz. Uma criança sabe que vai morrer e sabe que as pessoas de quem gosta vão morrer, possivelmente antes dela. A vida tem momentos alegres, aborrecidos, duros ou injustos. Só se pode pedir à vida aquilo que a vida pode dar, não mais. Em Espanha, o suicídio é a principal razão de morte de raparigas entre os 15 e os 19 anos. Isto porque querem ser uma determinada pessoa. Eu dependo de mim mesmo, mas não posso querer que os outros pensem como eu e vejam as coisas como eu. Não estamos numa sociedade onde as pessoas metem dinheiro num carreiro e a seguir sai dinheiro. Em Espanha, temos um comboio que é rapidíssimo, se chegar cinco minutos atrasado devolvem o dinheiro. A vida não é assim. Não há nenhuma segurança sobre o que se vai passar a seguir, hoje ou amanhã. Portanto, há que educar as crianças para a ajuda, para a incerteza, para a capacidade de adaptação e para gostar do que é bonito, da natureza. Há que estar agradecido à vida e a Deus. Devemos ir visitar um familiar, porque está mal, porque não te reconhece mas sabe que lhe queres bem. São aspectos essenciais e são estes que devemos trabalhar com os mais novos. Mas há muitos pais que querem comprar o carinho dos filhos, que se deixam chantagear, que não lhes dizem não, nem lhes impõem limites. Tenho uma boa relação com os jovens, mas se dizem uma tonteria eu digo-lhes que aquilo é uma tontice. Assim, sabem que quando lhe digo que isto está muito bem, é porque está muito bem.

Quem são os pequenos tiranos?
Os pequenos ditadores nascem em todas as famílias, sobretudo nos níveis médio e alto, mais nas franjas urbanas que no campo, e geralmente são crianças cujos pais lhes fazem todas as vontades. Não se diz não para a criança não ficar traumatizada. É tudo como e quando ela quer. Esses jovens começam a querer que todo o mundo gire à sua volta e aí, são educados no eu e nunca no tu. É verdade que 90% das crianças [comportamento tirano] têm problemas, transtornos obsessivos compulsivos, transtornos de personalidade limítrofe ou pensamentos inusitados e estranhos; e também 85 a 90% dos pais estão dependentes de drogas, têm problemas ou relações muitograves. Mas, na maioria dos casos, isto sucede porque se esqueceram da austeridade. Em Portugal e Espanha, havia pessoas que passavam fome, não usavam cinto, mas sim uma corda à cintura. Hoje, é "quero". As crianças recebem tudo e é muito mau dar-lhes tudo.

O consumo de álcool nos adolescentes começa a ser um problema grave. Por que bebem demasiado os jovens?
Espanha e Portugal são países de álcool, sobretudo de vinho. Conhecemos o vinho do Douro, do Alentejo, do Porto. Na sociedade anterior sabíamos conversar e bebíamos. Hoje, aderiu-se à moda nórdica, que é tomar quatro ou cinco copos de tequila de uma só vez e depois já não sabemos com quem estamos. No fundo, os jovens fazem isto porque estão mal, porque sentem um vazio. Com a oferta que existe, os jovens deviam estar em contacto com a natureza, praticando desporto, competindo, ou irem ao cinema, ao teatro ou a concertos. A maioria dos jovens controla o que bebe. O problema são os jovens que estão muito mal consigo mesmo, querem esquecer e caem em coma alcoólico. Bebem muito os rapazes de 14 anos, mas também as raparigas. As raparigas nivelaram-se aos rapazes, masculinizaram-se. Bebem muito, fumam muito e falam muito mal. Temos que fazer o contrário. Há que feminizar, tornar as jovens mais sensíveis. Os jovens também vêem os mais velhos a beber muito. O consumo de álcool está muito permitido e há muita influência da publicidade. A questão é que falamos da droga aos jovens como um problema, mas o que atinge estes jovens é o álcool. Temos de ter consciência que o período de infância foi muito encurtado. Há um período muito curto de infância e um muito longo de adolescência e quer-se ser maior muito rapidamente. Há que respeitar muito o tempo da infância.

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