Sociedade

Jorge Miguel Miranda: “Vamos ter de nos tornar vegetarianos”

14 dez 2017 00:00

O presidente do IPMA avisa que o século XXI vai estar associado às alterações climáticas, com maior registo de seca, fenómenos meteorológicos de extremos e a gestão de água potável.

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Este será um ano com pouca chuva ou é expectável que ainda venha com força?
Apesar de termos tido um ano dos mais secos de que há memória, temos obviamente expectativas de que vai haver alguma regularização. Estamos numa situação de mudança climática que só não vê quem não quer, mas isto não será uma situação crescentemente pior. Vai ter oscilações. Cada vez que temos um máximo ou um mínimo vamos bater um recorde. Estamos a bater recordes praticamente todos os meses, mas a variação dos parâmetros meteorológicos vai ser razoavelmente lenta, só que se sobrepõe a uma variação que, por vezes, chega a máximos que são realmente muito preocupantes.

Fala-se sobre a guerra pelo petróleo ou a guerra nuclear. Mas será que as batalhas que iremos travar não serão “apenas” pela água potável?
Seguramente. O século XXI vai ser o século da mudança do clima e vai estar associado às suas consequências: a seca, os fenómenos meteorológicos de extremos e a gestão de água potável. É uma situação que se percebe há muito tempo. Contudo, uma coisa é percebermos e outra é tomarmos acções necessárias para nos adaptarmos a ela. Os meteorologistas têm duas formas de fazer previsão e actualmente é mais fácil saber como é que vai estar o clima no final do século XXI do que o que vai acontecer dentro de dez anos. Sabemos que no final do século vai haver dificuldade de abastecimento de água potável em algumas regiões do mundo. Mas não sabemos qual é o caminho até lá. É, por isso, que não é fácil mostrar que o facto de chover muito num determinado período não significa que vá chover sempre e vice-versa.

Pode haver uma tensão grave entre Espanha e Portugal por causa da água?
Do ponto de vista estritamente meteorológico, Espanha tem uma seca mais grave do que Portugal. Portanto, a ideia de pensar que tudo se vai resumir a uma espécie de disputa entre os dois países parece- -me muito precipitada. Espanha e Portugal têm de tomar medidas de gestão e de adaptação com muita rapidez. É preciso algum bom senso. Uma das principais acções humanas muito consumidora de água potável é a agricultura, pelo que vai ter que haver algum nível de adaptação e gestão conjunta a nível ibérico para que a utilização seja racional de ambos os lados, porque os rios e as bacias hidrográficas são os mesmos.

Como é que a agricultura se vai adaptar às novas condições meteorológicas?
Do ponto de vista apenas da gestão da água terá de haver escolhas, mas há ainda muito espaço para melhorias ao nível da tecnologia. Ou seja, a distribuição da água de forma dita gravítica, provavelmente vai ter que ser muito controlada e vai ter de existir mais tecnologia para evitar as perdas de água, que são muito elevadas. É absurdo sermos capazes de chegar a Marte antes de conseguirmos resolver o problema de perder 30 ou 40% de água numa rede de distribuição. Vai ter de haver capacidade de reutilização de água tratada muito superior à que existe neste momento. Por outro lado, as condições ambientais podem limitar as escolhas poderais. O clima determina no essencial a paisagem agrícola. Se houver variações médias significativas, a paisagem agrícola vai acompanhar seguramente essas variações.

Havendo sinais há já algum tempo de que fenómenos extremos vão ser cada vez mais frequentes, por que é que os nossos decisores, mesmo a nível internacional, não tomam medidas preventivas?
Uma coisa é o circo mediático, outra são as decisões reais dos políticos. Os países têm demonstrado uma crescente compreensão da situação e isto inclui os Estados Unidos da América. Era possível andar mais depressa, mas isso acarreta custos e esses custos têm de ser entendidos não só pelos políticos como também pelas pessoas que os elegem. Quando isso acontecer as coisas vão sendo convergentemente resolvidas. Estão a ser tomadas medidas. Se a rapidez vai ser suficiente? Não existem certezas no mundo científico de isso ser verdade.

Mas, já se conseguiu parar a destruição da camada de ozono.
Os mecanismos que levavam à depleção do ozono envolviam um conjunto bastante limitado de acções humanas. Dependiam de processos industriais, que são controláveis mais facilmente pelo circuito político e dependiam de poucos produtores de muitos produtos, portanto era possível actuar de forma regulamentar. Os gases de efeito de estufa não são bem a mesma coisa, porque dependem de muitas acções humanas diferentes: estão ligadas à agricultura, à pecuária, aos combustíveis fósseis. Ou seja, há um conjunto de actores cujo papel concertado é mais complexo de coordenar. Vamos mesmo atalhar a situação dos gases de efeito de estufa como os do ozono? Vamos. Vão ser necessárias situações extremas para que se chegue a esse ponto? Infelizmente, também é capaz de ser verdade. Às vezes, as comunidades só acordam quando algo de grave as atinge.

Mas é preciso tomar medidas antecipadas para responder aos fenómenos extremos, como a seca.
É preciso fazer medidas estruturais independentemente do que acontece em cada ano. No ano em que chove temos de conseguir preparar-nos para a seca e no ano em que está seco prepararmo-nos para as inundações. Esse tipo de comportamento não está na matriz dos povos latinos. É preciso mesmo alterar alguns comportamentos. Temos de nos tornar num povo mais chato, mais maçador, como os povos do centro da Europa, que estão mais preparados para resistirem às situações de maior dificuldade.

As quatro estações do ano que existiam em Portugal parecem estar a desaparecer. Há maneira de reverter a situação?
Há uma percepção de que as estações da Primavera e do Outono estão de certa forma a desaparecer e caminhamos para um clima um pouco mais tropicalizado. Estes últimos anos levaram muita gente a admitir isto. Ainda é cedo para dizer se está para ficar ou se foi apenas uma flutuação que estamos a observar. Mas, é evidente que vamos ter climas mais típicos de regiões que estão a sul de Portugal, tal como os países nórdicos estão a ter climas mais próximos do que eram os países da Europa Central.

Como é possível enfrentarmos um problema de falta de água e deixarmos que rios como o Lis continuem a ser alvo de poluição?
Temos uma grande capacidade de impor às grandes empresas, que têm capacidade financeira, comportamentos ambientalmente responsáveis. Um dos nossos grandes problemas é quando temos pequenas unidades que não têm grande capacidade financeira, que mantêm comunidades relevantes e de forma continuada. Precisávamos que eles mudassem de comportamentos e não temos a mesma capacidade de interlocução que temos com os grandes operadores. A única capacidade que vejo destes assuntos serem encarados é sempre a nível local. Existem ainda muitas questões ambientais que têm de ser resolvidas a nível local e que precisam de enquadramento, organização e alguma fiscalização.

Que medidas urgentes e de longo prazo se devem tomar para minimizar o impacto das alterações climáticas?
Temos que nos preparar para viver nas condições futuras que já sabemos que vão existir. É preferível que se comece já a alterar comportamentos que sejam coerentes com isso. A sustentabilidade vai ser forçada do lado financeiro, porque ninguém vai querer investir em situações que não são estáveis a prazo. Isso já se viu no petróleo e nos combustíveis fósseis. Temos de tentar aculturar os investidores, e eles estão tão interessados em rentabilizar os seus investimentos que aprendem muito depressa. É preciso despolitizar a discussão das alterações climáticas. Não é por acaso que algumas marcas de automóveis mais luxuosas são aquelas que mais têm investido em veículos eléctricos. Começa a haver nesses segmentos já esta percepção, que é egoísta, nem sequer é altruísta. Estar a investir em unidades que causam este tipo de problemas não é positivo economicamente, porque elas vão ser interditas e não vão ter margens de lucro significativas. Muito importante para isto é também a acção dos consumidores. Nos países que são mais ricos, as pessoas têm mais facilidade em tomar opções. Por exemplo, quando vamos ao supermercado comprar alimentos, quem é que não gostaria de comprar só produtos biológicos? Não o fazemos porque são mais caros. Mas as populações que são mais informadas e mais ricas, têm mais capacidade de só quererem um certo tipo de produtos. Isso vai começar a inflectir nos mercados. Por outro lado, precisamos de alimentar uma população de nove mil milhões e estamos a chegar ao fim da nossa capacidade de extracção de alimentos. Vamos mesmo mudar dramaticamente a nossa vida. No IPMA, temos uma grande actividade de investigação do mar e sabemos bem que vamos ter de nos virar para novos produtos do mar mais sustentáveis a prazo, como o plâncton e algas. E mesmo nos temas terrestres, os insectos serão dominantes sobre herbívoros ou sobre carnívoros.

Que espécies estamos a matar e que novas é que poderão surgir com as alterações climáticas?
No caso do mar há uma migração para norte. As espécies que estão mais a Sul vão chegar-se mais às nossas latitudes e as nossas espécies vão-se chegar a latitudes mais acima. Isto não vai ser uma coisa dramática de um momento para o outro. Vai ter flutuações, vamos ter uma gestão muito mais apertada dos recursos vivos marinhos. Era bom que essa gestão fosse acompanhada por uma mudança de comportamentos alimentares, porque o problema existe a nível global. Temos de comer menos proteína e habituar-nos a uma alimentação mais regrada. A pecuária é um dos grandes problemas da Europa, portanto, mais tarde ou mais cedo, vai ter que ter uma estratégia dura para ser resolvida. Vai haver uma altura em que as regiões que forem capazes de mostrar uma vida estável e sustentável vão ser também aquelas para onde as pessoas mais quererão ir viver. E vai ser essa seguramente a grande oscilação que poderá levar alguma recomposição de ocupação do território.

Teremos que nos tornar vegetarianos?
Vamos ter de nos tornar mais vegetarianos. É provável que a própria população tenha que deprimir. Temos que

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