Desporto
Lágrimas de felicidade e de tristeza partilhadas no mais sentido abraço
Nuno Lopes e Nuno Domingues são amigos de uma vida, mas estavam em lados diferentes no jogo decisivo entre o Sporting Marinhense e o Sporting de Tomar.
É inevitável. Quem anda no desporto sabe que, mais tarde ou mais cedo, chega o dia em que tem do outro lado do campo alguém que lhe diz muito, seja um familiar próximo ou um amigo especial.
Nesse dia, o que mais se quer continua a ser ganhar, mas há, inevitavelmente, outros sentimentos que brotam, quase um incómodo por se estar a fazer sofrer alguém de quem tanto se gosta.
No passado sábado, Sporting Marinhense e Sporting de Tomar discutiram num vazio pavilhão da Embra qual deles jogaria, em 2020/21, na 1.ª Divisão de hóquei em patins. Eram duas equipas que, por mérito próprio, teriam subido de divisão se a pandemia não tivesse interrompido as competições.
Mas, forçados a jogar uma liguilha, tiveram de voltar ao zero. Uma decisão “injusta”, mas verdadeiramente importante. De tal forma que o jogo foi preparado ao pormenor por ambos os emblemas que tanto desejavam regressar ao lugar onde acreditam merecer estar, o “melhor campeonato do Mundo”.
Foi uma tarde cheia de emoções, até porque as subidas de divisão jogavam-se em dois outros campos e o baloiçar dos resultados foi constante. Até ao último segundo tudo esteve em aberto, apenas se sabia que quem ali vencesse, no clássico recinto dos leões da Embra, poderia sorrir.
A três minutos do fim, de resto, o Sporting Marinhense estava virtualmente na 1.ª Divisão, mas a combinação dos outros marcadores acabou por atirá-los de volta para o segundo escalão.
Faltavam cinco segundos, apontava o marcador electrónico. O Sporting de Tomar vencia por 1-2, tinha a posse de bola e já nada de mal lhe podia acontecer. Foi então que o treinador dos forasteiros, Nuno Lopes, saiu daquele pavilhão que tão bem conhece, percorreu umas dezenas de metros e entrou na casa dos pais para lhes dar “um abraço e um beijinho”.
“Foi a forma de festejar com as pessoas que me são mais próximas sem faltar ao respeito a um grande amigo. Porque se tenho cinco amigos, o Nuno Domingues é um deles.”
Nuno Domingues é o treinador do Sporting Marinhense. Naquele momento, estiveram do lado oposto da barricada, mas o percurso deles foi quase sempre feito em comunhão, uma situação que se mantém, pois ambos, assim que a Covid-19 o permita, vão continuar a espalhar magia de patins nos pés e stick na mão pelos veteranos do Leiria e Marrazes.
Foram – e continuam a ser - tão felizes em comum. “É o colega de uma vida”, atira Nuno Lopes, que enquanto treinador tem no currículo uma Taça CERS pelo Sporting e ,“como não há duas sem três”, subiu à 1.ª Divisão pela terceira vez, sempre com este emblema ao peito.
Quando saiu de Estremoz e se mudou, com os pais, para a Marinha Grande, tinha 13 anos. Logo ali conheceu o outro Nuno. Foram colegas, jogaram juntos anos e anos. Grande parte dos momentos altos do Sporting Marinhense tem a assinatura de ambos. Depois, Domingues, veterano jogador, jogou para Lopes, jovem técnico, em… Tomar. Iam e voltavam juntos. Falavam “da vida”. “De tudo.”
Depois, seguiram caminhos diferentes, mas nada os afastou. Até o Mundial que Portugal conquistou, em Barcelona, foram vê-lo juntos. Mas aquele sábado, sabiam ambos, seria alegre para um e triste para o outro.
“Foi um jogo especial, é impossível negar. As minhas raízes do hóquei estão naquele pavilhão, que mais uma vez me deu uma alegria. Quis o destino que no jogo que decidia tudo defrontasse o meu amigo da vida. Mas acho que merecemos ser primeiros, fomos a única equipa que jogou sempre para ganhar”, sustenta Lopes.
Que, mais tarde, já com as emoções mais controladas, saiu da casa onde cresceu, paredes meias com o pavilhão, e regressou ao rinque. Então sim, foi dar “um abraço” ao amigo. E choraram, os dois. “Foi duro, só de vê-lo assim.”