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Leiria Capital Europeia da Cultura colhe "mensagem de Humanidade" de “Menino do Lapedo”
Menino do Lapedo” acentua “a ideia de tempo longo
A mensagem de Humanidade revelada pelo achado arqueológico “Menino do Lapedo” inspira a candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura 2027, que hoje apresentou seis eixos que suportam o lema “Curar o comum”.
O coordenador da candidatura, Paulo Lameiro, lembrou que ainda decorre a competição, mas avançou que um dos trunfos principais de Leiria envolve o “Menino do Lapedo” – também conhecido por “Criança do Lapedo” -, um esqueleto com cerca de 29 mil anos, encontrado em 1998 no Abrigo do Lagar Velho, em Santa Eufémia, a cerca de dez quilómetros de Leiria.
A descoberta marcou a paleoantropologia internacional, por se tratar do primeiro enterramento Paleolítico escavado na Península Ibérica e porque a criança apresenta traços de 'neandertal' e de 'homo sapiens'.
A possibilidade de hibridismo gerou forte discussão entre a comunidade científica.
“A grande mensagem que a ‘Criança do Lapedo’ nos traz é uma mensagem europeia para a Humanidade. Não existe uma Europa de ‘sapiens’ que destruíram e que mataram ‘neaderthalensis’. Coabitámos, criámos e procriámos juntos. Quem nos conta isto é uma criança, e conta-nos num ritual completamente inesperado!”, sublinhou Paulo Lameiro, admitindo que, no início da construção da candidatura, o assunto estava “completamente abandonado, recusado de forma até muito intensa”.
Mas “a história veio ter connosco”, reconheceu o coordenador, porque “vale a pena ser ouvida” e “pode ser importante para os outros”.
Em conjunto com os vestígios de dinossauros do Bairro, no concelho de Fátima, e da Lourinhã, e do “crânio da Aroeira”, encontrado em Torres Novas e que remete para “o primeiro homem no nosso território”, o “Menino do Lapedo” acentua “a ideia de tempo longo – ‘slow life, slow cities’ -, uma outra forma de habitarmos este espaço”, que é uma das motivações do projeto liderado por Leiria, de acordo com a candidatura.
Hoje, perante uma plateia constituída por agentes culturais, a Rede Cultura 2027, que agrupa 26 municípios, levantou no Museu de Leiria um pouco mais do véu do conteúdo do livro de candidatura, apresentado em Novembro de 2021 e que será defendido a 9 de Março.
Com o lema “Curar o comum”, o documento desenvolve-se segundo os eixos “Reconhecer”, “Religar”, “Tecer”, “Cuidar”, “Imaginar” e “Sustentar” e tem a ambição, segundo sublinhou Teresa Andresen, de “demonstrar à Europa que conseguimos construir aqui um espaço cultural comum. E que queremos fazê-lo com parceiros europeus”.
“Vamos ser Europa e colaborar com a Europa”, sublinhou a arquitecta paisagista, uma das responsáveis pela elaboração do livro.
Já Lígia Afonso, outra das autoras do documento, revelou que Leiria pretende “um novo modelo de governança para a cultura”, que passe por “políticas públicas de base territorial”.
“É uma das marcas fundamentais do projecto”, sublinhou a professora universitária, acrescentando que a candidatura tem “um programa aberto”, onde apenas as ideias estão definidas, sendo depois “desenvolvidas pelos agentes no território”.
É que após um longo processo de auscultação, referiu Lígia Afonso, concluiu-se que “o nosso lugar-comum são as práticas de excelência do território”.
“Não é preciso acrescentar nada, só tínhamos de mapear e organizar. Eles [agentes culturais] existem, têm capacidade inequívoca, são o [âmago] da candidatura e só temos de trazer isto para o palco”, frisou.
As propostas de programação da candidatura serão construídas pelo território, notou Paulo Lameiro, juntando “quem decide com quem faz”, antecipou outra das autoras o livro de candidatura, Ana Bonifácio.
“Temos cá tudo”, acredita a arquitecta e artista plástica, respondendo a uma das questões que a candidatura requer.
“Temos a prática material – e temos a promessa de que não construiremos infraestruturas novas, não se fará ‘o pavilhão’ como se fez em tempos – e trabalharemos as preexistências e isso é tudo o que é público”, desde os espaços culturais convencionais, às praças, os coretos, as habitações particulares ou “os oito mil quilómetros de trilhos, desde Sicó a Montejunto, passando por Aire e Candeeiros, até às praias, transversalmente”, prosseguiu.
Outra preexistência do território é “um ADN de quem não fica sentado”, enalteceu Ana Bonifácio.
“Essa é a característica que é o nosso traço comum: o ADN de transformar o que temos”, concluiu, reforçando ainda confiança no projeto, depois de assumidas dúvidas iniciais: “neste momento, não temos nevoeiro à nossa frente”.
Leiria Capital Europeia da Cultura inicia em Alcanena colectânea de cadernos de viagem
Uma colecção de cadernos de viagem é iniciada na segunda-feira em Alcanena, no âmbito do projecto “Horizontes 26”, com que a candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura prestará homenagem ao património do território dos 26 municípios envolvidos.
Depois de Ourém e Torres Vedras, a Rede Cultura 2027 - entidade promotora da candidatura - anunciou que Alcanena, no distrito de Santarém, é o próximo destino de “Horizonte 26”.
Lá será dado início a uma colectânea de cadernos de viagem a construir por artistas convidados a participar nestas visitas que ligam castelos, fortes, faróis e outros lugares patrimonialmente relevantes.
Em Alcanena, participam o pintor Saul Roque Gameiro, sobrinho-bisneto do aguarelista Alfredo Roque Gameiro, de Minde, e Rui Gonçalves, artista plástico, também desta vila do concelho de Alcanena.
Ambos vão documentar a visita que se reparte por uma manhã de experimentação e contemplação, reservando-se a tarde para a reflexão, avançou a Rede Cultura 2027.
Cada caderno de viagem de “Horizontes 26” abrange dois municípios, compilando o resultado da documentação produzida pelos artistas. A iniciativa contempla várias áreas artísticas e tem curadoria de António Gonçalves.
Segundo a Rede Cultura 2027, “Horizontes 26” convoca o património existente em cada um dos 26 concelhos envolvidos na candidatura de Leiria para “um desafio com novos horizontes”, como forma de reconhecimento do “contributo do património cultural edificado na construção da matriz identitária da comunidade onde se insere, a sua natureza tutelar e hospitaleira na relação umbilical com o território, as gentes e a sua capacidade de promover uma reflexão intemporal”.