Viver
Lisa Sereno. O mistério de uma voz surpreendente que se revela entre a nostalgia e a música folk
A nova aposta da editora Omnichord apresentou-se com “Mistery” e já prepara o próximo lançamento
Em menos de três meses, e à boleia de uma única canção, “Mistery”, lançada nas plataformas digitais, o diário de bordo de Maria João Lameiras regista concertos em Lisboa, Porto, Coimbra, Leiria e Marinha Grande, tempo de antena na televisão e na rádio, um vídeo com mais de 25 mil visualizações no YouTube e, provavelmente, a expectativa de que a viagem está apenas no início. Lisa Sereno, nome artístico escolhido para a estreia como compositora, através da editora Omnichord, traz a público alguém que junta a experiência no canto lírico com o amor pela música folk – e que, aos 31 anos, o faz com surpreendente qualidade e maturidade.
“Mistery” não revela tudo sobre a artista que cresceu em Leiria e cantou na missa, mas abriga o manual de instruções, em que Portugal e os Estados Unidos surgem ligados por uma ponte que atravessa as décadas de 1960 e 1970, por onde passam Zeca Afonso e Joan Baez. “Depois de a minha voz ter sido comparada à da Joan Baez, na minha adolescência, descobri a música folk norte-americana. A Joan, assim como a Joni Mitchell [canadiana] foram referências importantes para mim, pela maneira como cantavam os agudos, que era diferente do que tinha ouvido até então na música ligeira. Percebi que havia lugar para vozes como a minha”, explica a antiga aluna do Orfeão de Leiria e da Escola de Música do Conservatório Nacional, em Lisboa, cidade onde continua a residir. “Para além de me ter identificado com essa maneira de cantar, também me apaixonei pela música folk, que tem sido uma influência para mim”.
Os discos de Madredeus e Silence 4, a música clássica, alguns musicais, a colaboração com orquestras e músicos profissionais, as aulas de piano e até o coro da escola – “em que cantávamos a duas vozes e experienciei, talvez pela primeira vez, essa sensação mágica de união de vozes”, diz ao JORNAL DE LEIRIA – também contribuem para o mapa que orienta o projecto Lisa Sereno, apoiado na voz e na guitarra. O single que apresenta como cartão de visita soa como a banda sonora de um segredo irresistível e carregado de nostalgia. “O mistério atrai porque queremos sempre descobrir mais e quanto mais difícil é de desvendar, mais desafiante e atraente nos parece. Tenho vindo a reparar que as pessoas misteriosas têm também esse encanto. Foi essa a minha inspiração”.
Com instrumentos acústicos e elementos da pop e da electrónica, o território desenhado pela artista insinua-se sem precisar de fronteiras – “não quero fixar a minha existência musical num só género, quero, a partir destas influências, poder explorar caminhos e sonoridades” – e é uma janela para a alma de quem conhece o efeito transcendente da arte. “Tenho a necessidade de me exprimir e reflectir sobre as minhas experiências, para evitar acumular frustrações ou raiva ou até para partilhar a minha felicidade. Sinto que na música há espaço para essa partilha de emoções e muitas vezes há quem a procure ouvir também para aliviar o que sente. A música tem um poder terapêutico para quem a faz e quem ouve”.
Ainda este ano, ou talvez já no início do próximo, está prometido um novo lançamento, e a fórmula é a mesma. “Tento sempre escrever e expressar-me sem filtros, mesmo que isso signifique expor as minhas vulnerabilidades e fragilidades. Acho que é isso que dá significado à música e que toca as pessoas e faz com se consigam relacionar com o que canto”.