Mário Campolargo: "Desafios da região de Leiria encontram-se em linha com grande parte dos do restante País"

De que modo a digitalização e a indústrias 4.0 e 5.0 poderão ser mais-valias para os stakeholders nacionais da indústria com grande incorporação tecnológica – como os sectores dos moldes e plásticos – no actual panorama concorrencial pós-pandémico e de crise provocada pela inflação, pela indefinição no sector automóvel e pela agressão russa à Ucrânia?

A digitalização e a Indústria 4.0 e 5.0 representam uma aposta capaz e segura não só relativamente ao panorama internacional que conhecemos, mas também relativamente a cenários, premeditados ou não, de futuro. A digitalização tem permitido uma automação e monitorização em tempo real dos processos de produção das nossas empresas. Isso significa que temos um tecido empresarial capaz de uma maior eficiência operacional e, também, capaz de uma redução de custos Desafios da região de Leiria encontram-se em linha com grande parte dos do restante País Mário Campolargo secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa sublinha o esforço no desenvolvimento de cerca de três mil produtos-piloto em test beds, investigação em pólos de inovação, 90 milhões de euros em vales para startups e 20 milhões para incubadoras e aceleradoras e diminuição de perdas por desperdício. Acresce ainda o facto de que, através de simulação computacional avançada, conseguimos acelerar o processo de desenvolvimento de produtos e de reacção ao mercado, por meio de testes virtuais. Depois temos ainda exemplos como a aplicação de tecnologias como a Internet das Coisas (IoT) e de processos industriais como a impressão 3D, directamente associados a esta “(r)evolução industrial” que se encontra em curso, seja no sector automóvel, no sector dos moldes ou noutros. E importa também salientar a cooperação entre empresas, instituições académicas e startups. Aliás, o Governo já tem em marcha uma série de medidas de incentivo a este tipo de parcerias de inovação. 

O que pode o secretário de Estado da Digitalização e Modernização Administrativa fazer para ajudar os empresários destes sectores que dizem não estar a ser ouvidos na UE, relativamente à entrada de produtos que não respeitam as regras europeias que lhes são impostas?

O Governo e a União Europeia têm apostado no reforço dos regulamentos e requisitos de certificação para produtos específicos, seja ao nível da conformidade com as normas técnicas europeias, seja ao nível das certificações de qualidade e segurança. Esta resposta para protecção das pessoas e do tecido empresarial inclui um trabalho de cooperação com diversos organismos internacionais de forma a dar contributos directos para a construção de normas europeias, que fornecem directrizes técnicas, práticas recomendadas e especificações para diversos sectores e actividades, incluindo a digitalização. Assim, e para que esta evolução seja contínua, o Governo irá continuar a cooperar e a trabalhar em conjunto com associações sectoriais e com a indústria em geral, de forma a identificar eficazmente as necessidades do sector e as propostas que construíram como respostas para as mesmas. 

Quais as principais iniciativas que a sua área governativa está a desenvolver para apoiar as empresas dos sectores dos moldes e plásticos?

Em primeiro lugar, quero começar por dizer que o apoio da área da digitalização é transversal e abrange as diferentes tipologias do sector empresarial e industrial, bem como toda a administração pública e todas as pessoas. Isto porque não faria sentido pensar a digitalização do País como um todo, se estivéssemos focados apenas em segmentos. Estamos a colocar em prática diferentes medidas de políticas públicas para criar um ambiente que favorece a experimentação e a testagem de produtos inovadores, através das Test Beds, que vão permitir o desenvolvimento de cerca de três mil produtos-piloto. A estas, acrescentamos a capacitação de seis mil empresas até 2025, em vários sectores e áreas temáticas, através dos 17 pólos de inovação digital, os Digital Innovation Hubs, distribuídos pelo território e abrangendo, um investimento total de 82 milhões de euros. Existem também medidas que promovem a experimentação, mas que também apoiam a adaptação dos modelos de negócio das empresas ao digital, através dos 90 milhões de euros em vouchers para startups, e 20 milhões de euros em vales para incubadoras e aceleradoras, entre as quais as aceleradoras do comércio digital, que irão ter um papel fundamental em tornar as empresas mais digitais. Posso ainda referir os Bairros Comerciais Digitais, que criarão áreas comerciais digitais em centros urbanos, suburbanos ou rurais, promovendo a dinamização das localidades e a coesão territorial. Não posso, igualmente, deixar de mencionar os cerca de 100 milhões de euros para a Inteligência Artificial investidos nas Agendas Mobilizadoras, um domínio onde as oportunidades são muitas e, como tal, queremos que seja uma aposta ganha no futuro. Estamos, por isso, a investir num Portugal com um tecido empresarial e industrial competitivo, com melhores salários, melhores empregos e criação de valor acrescentado. 

Em que áreas da digitalização, modernização e de futuro gostaria de ver os empresários apostar, quando se candidatam aos fundos do PRR e ao Portugal 2030?

Os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência e do Portugal 2030 representam oportunidades únicas para as empresas investirem na área da digitalização. Em primeiro lugar - e da qual já falamos aqui -, através da aposta em tecnologias da Indústria 4.0, como a IoT, impressão 3D e robótica avançada, de forma a aumentar a eficiência, a flexibilidade e a qualidade da produção. Depois, e esta talvez seja a mais evidente, com o investimento em tecnologias digitais, que inclui a implementação de sistemas de gestão integrados, a automação de processos, a digitalização de processos, a análise de dados e a tão falada Inteligência Artificial. Outro factor que não me canso de enfatizar é a aposta na formação e na educação. Temos já em curso uma série de projectos de capacitação de trabalhadores, tanto do sector público como do privado, como é o caso do Emprego + Digital e do Upskill, porque consideramos a literacia digital uma aposta essencial para a modernização da indústria nacional e para o aumento das qualificações e da qualidade de vida de muitas e muitos trabalhadores. Gostaria também de salientar novamente as actividades de inovação e de desenvolvimento, que resultam de parcerias com as universidades e os centros de investigação, e que promovem a inovação e a competitividade, através da criação de novos produtos e serviços. Outra área, que se encontra sob a minha tutela, e que tem particular destaque na aplicação de fundos do PRR é a cibersegurança, hoje considerada extremamente essencial. Este investimento passa não só por projectos de segurança cibernética para protecção de dados, sistemas e infra-estruturas das empresas e do Estado, mas também pela aposta na formação em literacia digital específica desta área, como é o caso da C-Academy e da campanha de comunicação #LerAntesClicarDepois. Mas além de todas estas áreas que enumerei, existem muitas outras que dizem respeito à digitalização e ao investimento de fundos europeus nas empresas, que vão desde a aposta na modernização do sector da construção, com novas formas de planeamento do nosso urbanismo e ordenamento do território, passando pela aposta em tecnologias verdes, conectividade, saúde digital e turismo, até às indústrias criativas.

A região de Leiria, tal como o resto de Portugal, ambiciona ser uma espécie de “Silicon Valley”. No que deveria a região investir para atrair negócios e pessoas da área tecnológica?

Acredito que os desafios da região de Leiria encontram-se em linha com grande parte dos do restante País no que diz respeito à área da digitalização. Em primeiro lugar, é necessário garantir uma infra-estrutura de tecnologia que seja robusta e isso inclui, como sabemos, conectividade e redes 5G. Esta é uma medida de elevada importância para o Governo e, por isso, em breve teremos novidades relativas à abertura dos concursos para a área da conectividade. Como já referi anteriormente, e como tenho vindo a comprovar nos diversos roteiros que tenho feito pelo território nacional, também as parcerias entre o tecido empresarial e as universidades e politécnicos são essenciais para promover a pesquisa e a inovação, de forma a atrair e a fixar novos talentos e a fomentar o crescimento tecnológico do território. Esta rede de parcerias e de inovação deve também incluir o ecossistema de startups da região. Só dessa forma será possível garantir financiamento, apoio e até mentoria a estas novas startups tecnológicas que estão a nascer e que trazem inovação e novas formas de pensar os processos. Temos, como exemplo de sucesso, a aposta que foi feita na construção de uma rede nacional de test beds, que desenvolvem projectos de teste e experimentação de novos produtos ou serviços digitais. Quero também salientar, e dentro desta lógica de inovação e empreendedorismo, a importância do investimento em espaços de coworking, incubadoras e aceleradoras, assim como de clusters tecnológicos, onde empresas tecnológicas e startups possam interagir, colaborar, partilhar conhecimento e atrair novos investidores.

Portugal deveria apostar mais no desenvolvimento de hardware, como fez Taiwan nos anos 80, ou manter-se focado nos serviços e software?

É verdade que Portugal também tem sido um exemplo na aposta e crescimento signi™cativo no sector de serviços de software, como é o caso da Microsoft, com um centro de pesquisa e desenvolvimento de software e serviços. Mas também temos como exemplo os nossos unicórnios, como é o caso da OutSystems, da Farfetch, da Talkdesk, da Feedzai, da Sword Health, da Remote e da Anchorage. Desde a venda de marcas de luxo, passando pela prevenção de fraudes e até ao sector das cripto, são óptimos exemplos de que o investimento do tecido empresarial nacional deve continuar a apostar em empresas de software e desta tipologia de serviços. Contudo, o investimento em hardware está a ser feito. Basta vermos como Portugal tem atraído algumas empresas internacionais de hardware que optaram por se fixarem no País. Temos como exemplo a Bosch, que instalou um centro de pesquisa e desenvolvimento em Aveiro e possui outros investimentos no resto do território nacional… no Minho, por exemplo. Também a Siemens, com uma aposta forte na automação industrial, electrificação e soluções energéticas, e a Nokia, com projectos relacionados com redes de comunicação, 5G e tecnologias de conectividade. No que se refere à tecnologia para veículos, temos o exemplo da Aptiv que trabalha em projectos para veículos autónomos, e a Embraer, uma das maiores empresas fabricantes de aeronaves do mundo e que se encontra instalada em Évora. Acrescentaria ainda a Martifer, que visitei recentemente, uma empresa ligada às energias renováveis e à construção, que tem sido premiada e reconhecida internacionalmente pelos seus projectos de engenharia, como é o caso da Gare de Mons, na Bélgica, e que é ainda um exemplo de boas práticas na utilização da tecnologia BIM (Building Information Model), que se destaca na proposta do Governo para a simplificação de licenciamentos das áreas do urbanismo e ordenamento do território.

Mário Campolargo, Secretary of State for Digitalisation and Administrative Modernisation 
The challenges to the region of Leiria are in line with those of much of the rest of the country
Mário Campolargo, Secretary of State for Digitalisation and Administrative Modernisation, highlights the effort to develop around three thousand pilot products in test beds, more research in innovation hubs linked to education, 90 million Euro in vouchers for startups and 20 million Euro for incubators and accelerators as a way of encouraging a revolution in national industry. “Partnerships between the business community and universities and polytechnics are essential to promote research and innovation, in order to attract and retain new talent and foster technological growth in the territory. This network of partnerships and innovation should also include the startup ecosystem in the [Leiria] region. I would also like to stress, within this logic of innovation and entrepreneurship, the importance of investing in co-working spaces, incubators and accelerators, as well as technological clusters, where technology companies and startups can interact, co-operate, share knowledge and attract new investors”, he said of some of the areas to be explored in the Leiria region, with a view to the technological development of the territory, providing it with a business fabric that can compete at world level. Working in partnership with universities and polytechnics “is essential to promote research and innovation, in order to attract and retain new talent and foster technological growth”, he adds. The road ahead is narrow and uncertain, but the commitment on the part of oficial bodies and, in particular, entrepreneurs, cannot be anaemic and without a plan, in achievable stages.