Desporto

Match-fixing: suar a camisola e vencer a partida ou ganhar a aposta e sujar as mãos

18 fev 2018 00:00

É um universo paralelo de milhões e milhões de euros, um polvo que chega a todo os lugares e a todas as modalidades. Por isso, todos os cuidados são poucos.

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Já alguma vez observou, no pavilhão ou no estádio da sua equipa, um indivíduo agarrado ao smartphone que, de uma forma mecânica, coloca online, de forma incessante, tudo o que se acontece na partida? Pois muito bem, ele a ponta visível do um gigante icebergue que move todos os anos milhares de milhões de euros em todo o planeta.

Para se ter uma noção do que estamos a falar, estima-se que a “verba anual dedicada às apostas desportivas em todo o mundo ronde os 500 mil milhões de euros”, revela José Lima, coordenador do Plano Nacional de Ética no Desporto. “O Europeu de França mexeu com 70 mil milhões de euros” e num derby da capital a verba em jogo “anda à volta dos 100 milhões de euros”.

As apostas desportivas são, nos dias que correm, uma verdadeira loucura e não se pode pensar que o distrito de Leiria vive à margem desta realidade. Há vários clubes da região que estão presentes em inúmeras casas de apostas, sejam legais ou não.

No passado fim-de-semana, por exemplo, conseguimos encontrar na internet a possibilidade da apostar em vários emblemas da região, a começar pelas equipas masculinas que militam no principal escalão da respectiva modalidade.

O Sporting das Caldas, no voleibol, e o Burinhosa, no futsal, estão no Placard, plataforma da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, mas em muitas outras casas, licenciadas para actuar em Portugal, ou não. Também a União de Leiria, o Marinhense e o Caldas SC, que militam no terceiro patamar do futebol português, foram encontrados.

"O jogador tem de optar entre jogar futebol ou ser apostador na modalidade, não pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo"

João Oliveira, Sindicato dos Jogadores

São centenas e centenas de sites, com ofertas para todos os gostos, nas mais variadas modalidades e até nos desportos electrónicos. Do futebol, ao andebol, do ténis às corridas de cavalos, de jogos amigáveis à final da Champions League, está praticamente tudo à distância de um clique.

A questão é quando todo este esquema é desvirtuado, quando um apostador consegue adulterar o normal decurso de um jogo em benefício da aposta realizada.

À escala planetária

É um problema crescente com diversas ocorrências registadas, nomeadamente nos campeonatos turco, suíço, alemão e de outras zonas do leste europeu. Itália também tem um historial de escândalos, que envolveram alguns dos nomes grandes do futebol transalpino, como a Juventus, a Lazio, o Milan, Paolo Rossi e Antonio Conte.

Em Portugal, a operação Jogo Duplo levou à detenção de jogadores e dirigentes de clubes da 2.ª Liga. Recentemente, o Ministério Público confirmou que quatro jogadores do Rio Ave são arguidos num alegado caso de resultados combinados.

Para o filósofo José Antunes de Sousa, professor da Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília, o fenómeno é “global”. “A humanidade vive um estádio de instalação capitalista: a absolutização do lucro. Há uma maquiavelização da fasquia ética: todos os meios são validados pelo lustro ilusório do fim. E os mais fracos e desvalidos - jogadores das equipas mais modestas - são os mais vulneráveis à tentação imediatista do lucro enviesado e fácil.”

“Sabemos que para a prática destes ilícitos as competições intermédias, como é o caso do Campeonato de Portugal, são bastantes procuradas”, diz João Oliveira, advogado responsável pelo Gabinete Jurídico do Sindicato dos Jogadores e especialista na matéria do combate à viciação de resultados, certificado pela FIFA e Interpol.

“Apesar de a carência económica não ser o único factor de risco, existindo dificuldades financeiras e menor controlo do cumprimento das obrigações laborais estão criadas condições ideais para abordagem pelos match-fixers. Todas as competições que sejam objecto de aposta desportiva podem ser alvo destas organizações criminosas e merecem a nossa maior atenção”, completa este especialista na matéria do combate à viciação de resultados, certificado pela FIFA e Interpol.

“Ninguém está imune: a massa monetária é elevada, o que faz com que seja fácil corromper”, diz José Lima. “Não há estudos que apontem o valor das apostas combinadas”, mas “futebol, atletismo, cricket, boxe e ténis” são as modalidades mais visadas pelas “Máfias do Oriente”.

“É um problema bastante grave”, completa o responsável. Ainda para mais, “grande parte do volume de apostas é proveniente do mercado asiático, fora da jurisdição das autoridades portuguesas”, salienta João Oliveira. Importa, pois, “educar e sensibilizar todos os agentes desportivos para o fenómeno e para as consequências disciplinares e criminais que resultam do envolvimento no mesmo”.

“Os jogos combinados são um grande problema, não só do desporto, mas de toda a sociedade, e se não desenvolvermos um conjunto de acções preventivas será um verdadeiro cancro”, augura o coordenador do PNED.

A tarefa de quem tenta combater estes ilícitos é complexa. “Primeiro, porque é muito difícil de detectar e, depois, de obter meios de prova. Há muitos meios de corromper e combinar resultados. Seria necessário um elevado investimento para fazer essa investigação”, observa José Lima.

Jogador ou apostador

Não se pense, contudo, que este problema se resume apenas àquela corrupção em que um indivíduo paga a outros, sejam jogadores, dirigentes ou árbitros, para que estes alterem o normal desfecho de uma partida, qualquer que seja a modalidade. Com a democratização das apostas desportivas, são cada vez mais aqueles que têm acesso às casas onde um palpite acertado pode transformar uns euros em mais alguns.

O problema é que também há um número crescente de desportistas a apostar nos próprios jogos, como admitiu ao JORNAL DE LEIRIA um atleta que preferiu não ser

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