Desporto
Mirense: o gigante saiu da gruta
Nos anos 80 e 90 do século passado foi dos emblemas mais pujantes do futebol distrital. Com a crise têxtil foi definhando, mas após duas décadas longe dos holofotes, a vontade de fazer obra aproximou clube e cidadãos.
O domingo é soalheiro, mas o vento frio da serra sopra no Estádio Manuel Donato. Vinte e dois jogadores correm atrás da bola. A União Recreativa Mirense recebe o Grupo Desportivo e Recreativo da Boavista, de Leiria, e uma centena de adeptos vibra na bancada. Assistimos a um jogo do último escalão do futebol distrital. Amadorismo no estado mais puro.
Ali, tudo parece ter sido congelado no tempo. Foi em 1989 que foi inaugurado o campo, uma verdadeira sala de visitas à antiga. Nesse mesmo ano, o clube sagrou-se campeão da 3.ª Divisão de futebol.
Fisicamente, quase tudo parece estar na mesma desde então: o mesmo relvado natural, a mesma vedação, a mesma bancada de cimento pintada de preto-e-branco. E até os membros da claque parecem ser os mesmos dos períodos mais felizes.
Os Black Angels, mostram-se prontos para puxar pelo emblema que têm junto ao coração. Outros assistem à partida confortavelmente sentados no carro, aproveitando um local alto que proporciona uma vista desimpedida. Agarrado à vedação, o presidente dos serranos sofre. O jogo é entre duas equipas que lutam pela subida à Divisão de Honra, o mais alto patamar do futebol distrital.
Há três décadas, o clube de Mira de Aire era temido e disputava de peito aberto as competições nacionais com emblemas de localidades com outra dimensão e maior influência política. Tinha o suporte de indústria têxtil que dava vida e dinheiro à vila do concelho de Porto de Mós.
“Essencialmente, num raio de 40 quilómetros, toda a gente queria jogar no clube”, conta António Lima, antigo jogador e treinador do clube e presidente há dois anos e meio. Hoje, já não é assim.
O “entusiasmo da vila”, “muito bairrista” puxava as equipas para a frente, com jogadores escolhidos a dedo por quem sabia da matéria. Antes de ser inaugurado o Manuel Donato, a equipa jogava no velhinho campo da Fiandeira, “onde os adversários tinham receio de jogar devido ao ambiente feroz”. Do terreno de jogo, que como o nome indica pertencia à Fiandeira Mirense, restam as balizas enferrujadas e as ruínas dos balneários.
“Era uma altura em que se ia para todo o lado com o Mirense. A Fiandeira era no centro da vila e os velhotes iam lá mais, mas quando viemos jogar cá para cima começaram a afastar-se. Chegou a arranjar-se um autocarro para levar as pessoas até ao novo campo, mas já não era a mesma coisa”, explica Vítor Marques.
Na terra, serão poucos os que o conhecem pelo nome, mas se falarmos em Pascácio já ficarão elucidados. A alcunha vem do tempo do avô e já passou cinco gerações, até aos netos. Pascácio começou a ser roupeiro do clube em 1980 e, também ele, está de regresso aos afazeres da bola.
“Tive quatro AVC e já andava ao pé dos velhotes quando o senhor Lima, o presidente – está a ver quem é? – me chamou. Foram as minhas melhoras totais. Comecei a andar, comecei a conduzir e espero continuar a ser o roupeiro até Deus me levar. Mas olhe que não vale a pena ser-se roupeiro se não se gostar. Adoro ver os jogadores bens equipados, bem engraxados, todos de igual e sem meias rotas.”
O ano da mudança do pelado da Fiandeira para o relvado do Manuel Donato foi absolutamente histórico. Em 1988/89, a Armada Invencível conquistou o título nacional da 3.ª Divisão sem qualquer derrota e na temporada seguinte conseguiria a melhor classificação de sempre no segundo escalão do futebol português, ao ser oitavo.
O actual treinador, Cabé, fazia parte da equipa. Foram oito anos de pujança, em que vestiram as cores do clube nomes conceituados do futebol português, como o guarda-redes Paulo Santos, Casquilha, Rui Ferreira, Sérgio Lavos ou Cabumba.
Depois, os têxteis “levaram um tombo”, o que “ajudou à decadência”. “Se calhar, o Mirense andou em patamares demasiado altos para a vila que é e isso pagou-se caro”, admite António Lima. O club
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