Sociedade

"Mudei de opinião: É mais do que justo que o IPL seja universidade"

3 dez 2015 00:00

Carlos André, director do Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa, do Politécnico de Macau, manifesta apoio à criação de uma universidade em Leiria

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Jacinto Silva Duro

Com um prisma, Newton verificou a dispersão da luz branca, dividindo-a pelo espectro do arco-íris. No seu livro O prisma de Newton, usou essas cores como fonte de inspiração fazendo coincidir os tons com sentimentos, mas também com flores e festividades, como o Natal. Sendo um ocidental que vive em Macau, teve a tentação de olhar os significados das cores através de um prisma oriental?

Não somos capazes de fazer isso. A não ser ao fim de muitos anos, e esse não é o meu caso, ninguém é capaz de se transladar e de se transpor de uma cultura para a outra e de absorver uma alma, esse sopro vital que temos dentro e é sede de emoções e sentimentos. Ninguém transplanta e encaixa uma alma que não é a sua. Isto não quer dizer que não tenha sido levado pelo enquadramento. Das sete cores, ou melhor, dos sete sonetos das cores, que balizam o livro, talvez só dois tenham sido escritos antes da minha experiência oriental. A génese do livro aconteceu antes de partir e por acaso. O livro aconteceu um dia… “a poesia acontece-me”, como dizia Sophia. Às vezes, forço-a mas, na maior parte dos casos, acontece-me. E um dia aconteceu-me um soneto Azul, que está no livro. Foi o primeiro. Gostei dele e saiu-me assim: sonetoAzul. Um dia, não sei quando, talvez meses depois, aconteceu-me um outro soneto – tenho a impressão de que foi o verde -, e a Teresa Carvalho, que foi minha orientada de doutoramento, a quem eu, de vez em quando, mostrava uns poemas disse-me: “estou a ver que vai sair daí um arco-íris”. Aquilo ficou-me a bailar na mente. Entretanto, fui para Macau e resolvi começar a escrever. Os poemas vieramuns atrás dos outros e já ia tarde, talvez no Violeta, que deve ter sido o quinto, quando o mostrei a uma pessoa insuspeita, o Pedro Abrunhosa. Estávamos a conversar, em Macau, e mostrei-lhe o Violeta e o Azul, ele ficou entusiasmado e eu pensei: tem mesmo de ser. Que cor atribuiu ao Natal? O branco? Não. Dei-lhe um vermelho. Admito… aí, sou capaz de ter sido influenciado pela alma oriental, que diz que a alegria, a cor da esperança e do futuro é o vermelho. E o branco é a cor do luto, na China. O branco, nesse aspecto não me disse nada. Tanto mais que o poema Em Branco, que é o que abre o livro, é bem antigo porque foi escrito dois dias depois da morte de Eugénio de Andrade. E o final, o negro, aconteceu-me num momento qualquer. De facto, a ideia de incluir o Natal acontece porque vi-o vermelho. É uma cor muito natalícia mas talvez tenha sido influenciado. Por exemplo, o Ano Novo Chinês é todo vermelho.

Por que temos a necessidade de identificar cores com conceitos complexos como o sentimento de amor, paixão, raiva e ódio, ou a ideia de paz? Fez esse raciocínio?

Tive dificuldade em fazê-lo, porque os sentimentos cruzam-se nas várias cores. O vermelho, por exemplo, é cor de amor, de ciúme, de raiva e paixão. A cor dos amores, que as pessoas não associam muito, é o violeta. Não era capaz de escrever o violeta. Não era de todo… Houve duas cores que me foram complicadas, uma foi essa e a outra foi o anil, que eu nem sabia bem que tom era. Quando quis escrever sobre o violeta, lembrei-me do verso de Camões que diz que “são violas da cor dos amadores”. A partir daí, surgiu-me o amor associado ao violeta.

O professor é também tradutor e um tradutor é também um autor – diz-se que António Lobo Antunes comentou que o seu tradutor francês escrevia os seus livros melhor do que ele tinha feito em português – deixou alguma coisa de si, nas suas traduções clássicos como a da Arte de Amar, de Ovídio, ou o mais recente Tíbulo Poemas?

Já tenho outro mais recente. Os Remédios contra os amores, de Ovídio, que saiu há três semanas, na Cotovia. Seguramente que deixo. É quase uma re-escrita. Os autores que traduzo, não podem dizer de mim o que Lobo Antunes diz do seu tradutor francês. Falo com eles, mas eles estão posicionados há dois mil anos e é uma distância muito grande. O trabalho de tradução é sempre muito complicado e os italianos têm, com razão, aquele aforismo do “traduttore, traditore”. É mais complicado quando se trata de tradução literária e ainda mais complexo se se tratar de poesia, pois ela tem uma carga metafórica que ultrapassa as palavras. Contém remissões para um universo que, aparentemente, nem está presente no verso, mas, ao mesmo tempo, a poesia tem uma carga material, musical e rítmica. E depois há uma outra dificuldade muito grande que tem a ver com aquilo que Paul Zumthor chama de “ruído introduzido pelo tempo”. Nós já estamos muito longe e por muito esforço que façamos, não somos capazes de fazer aquela viagem de dois mil anos que nos coloca naquele contexto. Temos de tentar adivinhar e perceber. Veja-se a minha tradução de Ovídio da Arte de Amar…Ele era um poeta de salão, por isso é que Roma o queria sempre nos seus festins e banquetes. Um poeta de amor, como Ovídio, pode ser erótico, mas não é obsceno. Pode ser erótico, mas não é pornográfico. O que significa que, ao traduzir, não posso facilitar, pegando numa palavra latina e trocá-la por calão. Se o fizesse, deixaria de ser poesia de salão e perderia a beleza poética. É preciso sugerir sem dizer, por exemplo, o órgão sexual masculino. Não custa nada descrevê-lo com um palavrão, mas um palavrão não se diz num salão. Umas vezes, é uma coisa, noutras é outra… chegou a ser “verga”. Não pode ser uma palavra científica, ou uma palavra técnica. Tem de ser uma palavra que diga sem dizer e com ritmo, correspondência verbal... a posição correcta no verso. Seguramente, não escreverei melhor do que qualquer dos clássicos que traduzo. Tibulo é um poeta lindíssimo… o que tento é que ele seja compreendido o mais próximo possível da sua beleza pelos leitores portugueses do século XXI. Daqui a 50 anos, a minha tradução estará desactualizada e alguém terá de fazer outra.

Há dias, na sessão solene de abertura do ano lectivo, o presidente do Ins- tituto Politécnico de Leiria (IPL) pediu o apoio das entidades e forças da região para a transformação da instituição em universidade. Qual é, hoje, a sua opinião sobre o tema? Já foi contra...
Mudei de opinião e o IPL mudou também. Há uns anos, dizia que não fazia sentido a instituição ser univer- sidade. Não fazia sentido porque preferia que tivéssemos o melhor dos po- litécnicos e não uma universidade de segunda. Mas, entretanto, o instituto fez o seu caminho. Hoje, o IPL é uma unidade do ensino superior com mais doutorados do que muitas universidades, tem unidades de investigação de ponta – para mim, o que caracteriza uma universidade é uma grande capacidade de investigação e uma grande dedicação dos seus docentes à actividade científica, ou seja, não se reduz a uma escola onde se aprende uma profissão, mas constrói-se saber através de uma actividade científica nas várias áreas. O IPL tem bons laboratórios, tem uma actividade científica de qualidade que se situa dentro dos parâmetros de exigência das instituições internacionais de avaliação. Não estou a falar da Fundação para a Ciência e Tecnologia porque ela destruiu aquilo que eram os critérios de avaliação. O IPL fez o seu percurso e é mais do que justo que reivindique o lugar entre as universidades portuguesas. Isto significa quer vai ser preciso mudar muita coisa, mas o próprio Politécnico sabe que, ao fazer essa exigência, terá de se preparar para grandes mudanças.

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