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Museu na Aldeia desafia idosos a serem artistas: "Quando é que a gente vai passear de autocarro?"
Projecto liderado pela SAMP que junta 13 museus e 13 aldeias recomeçou em Alcanadas, no concelho da Batalha
Com música e teatro, a equipa da SAMP chega ao concelho da Batalha. Raquel Gomes dá os sons na guitarra acústica e no acordeão, Sofia Neves veste-se de Henriqueta, uma personagem idosa e muito especial, incontornável na apresentação realizada no exterior da antiga escola primária, esta terça-feira, 6 de Abril.
A fase dois do desconfinamento permite o recomeço do projecto Museu na Aldeia e, pela primeira vez, quase dezena e meia de habitantes de Alcanadas, entre os 67 e os 91 anos, escutam a proposta que os transforma em artistas e co-criadores.
Cantam-se refrões populares e dança-se o Vira do Minho, a sessão de uma hora passa a voar.
“É pena não ser todos os dias”, comenta alguém, logo nos primeiros minutos do convívio. Raquel Gomes, a coordenadora do projecto Museu na Aldeia, prepara- se para anunciar que a SAMP pretende levar o património dos museus (parte dele, pelo menos) até comunidades isoladas. A quem, se calhar, nunca visitou um museu. “Não podem ir ao museu, então vamos trazer o museu até à aldeia”. É a deixa para a irrequieta Henriqueta, que volta a interromper: “Eu estava aqui a pensar com os meus botões (…) Como é que o museu vai vir até aqui?” A assistência gosta e não se fica: “Põe umas rodas!”
Ao todo, são 13 aldeias e 13 museus, num projecto financiado pelo Poise – Programa Operacional Inclusão Social e Emprego do Portugal 2020, através da iniciativa Portugal Inovação Social, que junta os 26 municípios da Rede Cultura 2027, responsável pela candidatura de Leiria a capital europeia da cultura.
Por sorteio, o Museu da Lourinhã coopera com Alcanadas. E serão mesmo necessárias rodas. E um camião. “Deve ser uma peça para cada um”, arrisca-se. “Se calhar é algum dinossauro!”
Os habitantes das aldeias escolhidas, todos com mais de 65 anos, são desafiados a reinterpretar artisticamente as peças que vão receber.
“Esta é a parte mais importante, Henriqueta, é que nós vamos-vos pôr a trabalhar”, adianta Raquel Gomes. “Depois de o Museu da Lourinhã vir explicar que peças são aquelas e por que é que elas estão aqui, nós vamos pôr todos a nossa cabecinha a trabalhar e vamos nós juntos construir uma peça para ir para o Museu da Lourinhã”, esclarece. “E construir o quê? Algo que tenhamos em casa que achamos que até possa ser interessante, vamos trazer, ou então vamos recuperar uma história antiga, que já está a desaparecer e que nós não queremos que desapareça, ou uma música, que já nunca mais ninguém cantou, vamos recuperá-la. Ou vamos inventar qualquer coisa de novo. E temos alguns meses para todos juntos construirmos algo”.
Na fase seguinte, a criação dos idosos de Alcanadas será exposta no Museu da Lourinhã, que eles vão visitar, acompanhados por bailarinos, músicos, actores e poetas. “Vocês também vão ser artistas”, avisa Raquel Gomes. “E o que é que vão fazer? Não sei, ainda vamos todos pensar”.
A primeira visita da SAMP a Alcanadas serve para apresentações, mas não só. Os mais velhos vão sendo desafiados a falar, cantar, recordar, dançar. Malhão, Malhão; Oliveirinha da Serra; Tia Anica de Loulé.
Depois de tudo terminado, Raquel Gomes haverá de explicar ao JORNAL DE LEIRIA que o objectivo do projecto Museu na Aldeia é trabalhar com “comunidades e pessoas que estão mais isoladas” e que “não têm acesso à cultura”.
Sofia Neves acrescenta: “Que se sentem em solidão” e que através da cultura “vão falar deles próprios” e dos territórios que habitam.
Chega, entretanto, o momento para resolver dúvidas. Que as há. “Alguém tem alguma pergunta? Tenho eu: quando é que a gente vai passear de autocarro?”
Ainda há tempo para falar da origem do nome Alcanadas, que a lenda relaciona com a Arca de Noé.
“Foi uma tarde animada, uma tarde diferente. Isto faz bem”, diz Isilda Vieira, 74 anos, ao JORNAL DE LEIRIA. António Silva Vieira, 87 anos, também sai satisfeito. “É um bocado de aprendizagem, de comunicação, de espairecer, é bom para todos”.
O reencontro já está agendado: 18 de Maio. Por coincidência, Dia Internacional dos Museus.