Viver

“Não consigo ficar longe de serras, nem de aldeias com nomes estranhos”

2 abr 2016 00:00

Samuel Costa, autarca

(Fotografias: Ricardo Graça)

O que faz um programador informático numa empresa de exportação de pedra?
Em Engenharia Informática aprendemos a programar em várias línguas, a exportação é apenas mais uma língua que temos de dominar.

Está num sector de actividade com muitos clientes na China.Consegue dizer negócio fechado em mandarim?
Sim, diz-se letter of credit. É universal.

Quando um engenheiro do software gosta de poesia, isso é matemática?
É a descoberta do sal que muitas vezes falta ao gelo do mundo do software.

Prefere passar a noite com algoritmos lógicos ou com sonetos e baladas?
Um algoritmo bem conseguido é poesia. Mas confesso que prefiro sonetos e baladas (post-rock).

Como homem dos computadores, acredita que a máquina vai dominar o criador ao estilo Matrix?
Com as lulas voadoras de olhos vermelhos? Acredito que se as máquinas nos dominarem, terão de fazer bem melhor que a Matrix para nos conseguir fazer ficar quietos e calados. Talvez nos metam um telemóvel com net nas mãos.

Cresceu na Curraleira e vive na Paiã. Não consegue ficar longe da serra ou de aldeias com nomes esquisitos?
Não consigo ficar longe de serras, nem de aldeias com nomes estranhos, nem de tabernas com senhores de nomes ainda mais estranhos. Há muito a aprender em tabernas.

É das origens que vem a costela de naturalista?
Faz parte, quando estamos constantemente a ser picados e sugados por animaizinhos (e não estou a falar dos nossos políticos).

Uma expressão popular que ajude a definir as funções do tesoureiro numa pequena junta de freguesia, como aquelas que desempenha em São Bento.
Deitar tarde e cedo erguer, dá saúde e cabo da vida social.

As pessoas que o encontram na rua costumam pedir-lhe dinheiro?
Dinheiro não, porque sabem que sou um pé rapado. Mas pedem sempre dois dedos de conversa e um ouvido que escute.

Considera-se político, autarca ou ambos?
Nem um, nem outro. Sou um borlista ao serviço da sociedade.

Descreva o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros a quem não o conhece nem do Google Earth.
O PNSAC é o quintal secreto mais bem guardado de Portugal. Desconheço outra região em Portugal que tenha tantas potencialidades numa área geográfica tão pequena. São praias tropicais e fluviais, rastos de dinossauros, grutas e cavernas, excelentes comidas, vistas de tirar o fôlego e claro, pedras.

O Núcleo dos Amigos das Lapas, Grutas e Algares (NALGA), a que pertence, tem sido contactado muitas vezes ao engano?
O NALGAS são os socialistas da informação espeleológica. Disponibilizam informação sem nada em troca (tirando talvez uma paragem na Ti Maria dos Queijos). Puro serviço público!

Ingressar nos Bombeiros Voluntários de Mira de Aire foi uma forma de vestir o fato de super-homem e salvar a rapariga gira?
As minhas gajas giras têm entre os 70 e os 90 anos e o sorriso delas é a minha Kriptonite (e pronto, também fico bem vestido de vermelho).

Agora que tem o curso de socorrista, está mais perto de entender as coisas do coração?
Ainda estou a concluir a formação, mas é mais fácil entender a actividade eléctrica do coração que a electricidade que alguns corações nos provocam.

A pulsação bate mais depressa quando a sirene toca por causa de incêndios ou acidentes de viação?
Acidentes de viação com carros a arder!!! (Todos os bombeiros têm como estratégia de sobrevivência o humor negro.) Mas o que me dá gosto mesmo é ir na traseira da ambulância de luvas nas mãos e saco de vómito em riste!

A maioria das pessoas diz cobras e lagartos dos répteis, mas o Samuel dá-lhes abrigo em casa.
Cobras e lagartos são sempre bem-vindos (tirando os sportinguistas). O fascínio advém do terror que se transformou em admiração. Gostinho que tento incumbir a amigos e conhecidos. Além de que o “Ai que cobra tão grande!” dá sempre azo a conversas muito interessantes.

Ir a Santiago de Compostela a pé era uma promessa?
Foi promessa a mim mesmo. Tendo tido agorafobia, sair da minha zona de conforto foi uma conquista. Além de ter muitas serras, aldeias de nomes esquisitos e tabernas pelo caminho.

Prefere caminhar sozinho ou em grupo?
Caminho em matilha. É a minha forma de meditar e colocar as coisas em perspectiva, algo muito necessário na vida político-autárquica.

Dizem-me que gosta de passar noites a olhar o céu e com certeza não é o único. Nesses momentos, já lhe passaram pela cabeça as palavras objecto voador não identificado?
Sim, claro. Mas é mais comum quando ligo a televisão e vejo o noticiário.

A paixão pela astronomia é amor à ciência ou tique de sonhador?
Todos os cientistas amadores são sonhadores. E eu ando sempre de cabeça na lua.