Sociedade

“Não temos de inventar nada na natureza. As coisas estão inventadas e o equilíbrio foi feito em milhões de anos”, Emanuel Rocha

10 jun 2023 10:31

O ecologista e membro do grupo Os Amigos do Arunca, diz que a zona que se estende da Serra de Sicó até ao mar é dona de uma “flora deslumbrante”, que o Bioparque da Charneca, caso o processo avance, seria um centro de sensibilização ambiental “fantástico” e que não se pode continuar a olhar para as monoculturas como “lucro fácil e rápido”

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Emanuel Rocha, ecologista
Fotografia: Jacinto Silva Duro
Jacinto Silva Duro

Como foi que surgiu a sua paixão pelo ambiente?
Como foi que se começou a interessar pelo mundo natural que o rodeia? Fui sempre muito interessado pelo ambiente e em perceber por que razão certas coisas aconteciam com os animais. Porque é que os coelhos estão a deixar de existir? Porque se fazem batidas às raposas, porque apareceram animais exóticos em Portugal? O meu foco foi sempre entender. Depois fui, gradualmente, passando de espectro em espectro. Primeiro, comecei pelos animais; as aves que estão mais perto e são mais fáceis de observar, depois, os predadores maiores, que são mais visíveis. A seguir, apareceram as borboletas, porque um dia estava a tirar uma fotografia a um pássaro e passou “aquela” borboleta especial... e até que se encontra um insecto ainda mais brilhante. São coisas sucessivas que se vão embrulhando até chegar à ecologia. São coisas que me levaram durante anos até chegar a este conhecimento.

O facto de ser de Pombal ajudou?
Eu não sou de Pombal. Vivo no concelho há 25 anos, mas sou natural do Baixo Mondego e as diferenças são muito grandes, em especial, na avifauna. Junto ao Mondego, temos uma série de aves limícolas que não existem aqui, e isso foi uma das coisas que, quando vim para Pombal, me fazia confusão. Ainda hoje, quando quero ver determinadas aves, vou à Figueira da Foz, vou à Morraceira ou a Montemor. Naquela zona, proporcionalmente, existem muito mais aves, mesmo assim, Pombal tem coisas muito mais bonitas... e outras que não são tão bonitas. Por exemplo, a fl’ora da zona da Sicó Atlântica é deslumbrante. Dá-se um pontapé e encontramos uma espécie rara ou excepcionalmente bonita. São caso disso as orquídeas que existem por todo o lado no Bioparque de Pombal, ou então, basta dar duas voltas na Sicó e encontramos quatro ou cinco espécies de orquídeas. Mas também há coisas muito feias. É o caso da monocultura de eucalipto em tudo quanto é sítio e mesmo perto de aglomerados populacionais.

Perfil
“Sou muito mais do equilíbrio do que do radicalismo”

Emanuel Rocha tem 45 anos, nasceu na Figueira da Foz, mas foi viver para Granja do Ulmeiro, também conhecida por “estação de Alfarelos”.

Após terminar o secundário, mudou-se para Pombal. Hoje é técnico de telecomunicações, ligado à área alimentar, onde faz controlo metrológico em áreas de conservação de produtos perecíveis, como carne e peixe.

“Sou entusiasta das aves e sou mais observador do que fotógrafo, mas, às vezes, lá sai uma coisa engraçada. A fotografia também foi o que me espoletou a curiosidade pelo ambiente. Sou um cidadão preocupado com o que se passa à minha volta. Não me considero um ambientalista, sou um ecologista. Sou muito mais do equilíbrio do que do radicalismo. Sou uma pessoa que não gosta de se pôr em bicos dos pés e que gosta de olhar para as coisas e saber de onde venho, antes de questionar. Acho que, hoje, as pessoas confrontam tudo e mais alguma coisa só porque sim. Sou um pai interessado, que se importa e gosta de acompanhar os filhos. Basicamente, sou um homem de família tranquilo.”

Na Serra de Sicó pode encontrar-se uma paisagem em mosaico, com carvalhos, sobreiros, medronheiros, prados, olivais, agricultura e até eucalipto.
Sim. Aí não há tanto eucaliptal. É uma zona que ainda não tem a protecção que deveria. Já teve muitos recuos e avanços. Já esteve para ser a Área Protegida de Sicó, agora desistiram e vai passar a ser um geoparque, no entanto, ninguém sabe bem em que termos e quais os meios. São apenas ideias. Andamos sempre nesta coisa de alguém dizer “vamos fazer assim”, depois vem outro e diz que não. Que será de outra forma.

Queremos as coisas com muita velocidade e o mais rápido possível, com o maior lucro possível
Emanuel Rocha

O grande fogo do ano passado na Serra de Sicó irá abrir a porta a ainda mais monocultura?
Acho que não. Primeiro, tem de haver um trabalho para explicar às pessoas o rendimento ou a falta dele no eucalipto. Actualmente, tudo é para hoje, queremos as coisas com muita velocidade e o mais rápido possível, com o maior lucro possível. E não pensamos a longo prazo e enquanto não explicarmos às pessoas que esse longo prazo é mais rentável do que o curto prazo, elas vão continuar a seguir a opção mais fácil de rentabilizar. Isto é evidente em todo o Pinhal Interior. Se passarmos agora em Figueiró dos Vinhos, está tudo exactamente como estava em 2017, porque aquilo não é rentável, porque lá puseram eucalipto. A questão do Pinhal Interior tem muito que ver com a rentabilidade da floresta. Se ao menos tivéssemos lá plantado, como os franceses fizeram no seu país, carvalho robur, carvalho alvarinho, azinheira ou cerejeira, madeiras nobres que, em 60 a 70 anos, têm um valor absolutamente exponencial em relação ao eucalipto. O eucalipto, em dez anos, dá-nos pouco mais de 30 euros a tonelada, mas, neste momento, apenas um metro cúbico de carvalho para mobiliário está acima dos quatro mil euros. A diferença é que o eucalipto dá, por exemplo, em dez anos no primeiro corte, 1500 euros, e o carvalho precisa de 60 anos para dar lucro.

[O Bioparque de Pombal] poderia ser um centro de sensibilização ambiental fantástico, porque a infra-estrutura está feita. Está tudo criado!
Emanuel Rocha

Quer dizer que, numa exploração de carvalho ou madeiras nobres, se for bem estruturada, de modo a permitir um corte a cada dez anos e nova replantação, a mais-valia é excepcionalmente elevada em comparação com a do eucalipto?
Exactamente! Ou seja, a rentabilidade a 60 anos é quase dez vezes maior do que uma plantação de eucalipto, com o mesmo tempo. O problema é que o eucalipto tem rentabilidade quase imediata, embora pequena. No entanto, aquilo que os proprietários recebem dilui-se no dia-a-dia. Isto é, a primeira rotação dá 1500 euros, a segunda mais 1500, a seguinte outra vez 1500 e, no final, é preciso gastar cinco ou seis mil euros para arrancar as raízes, remover as árvores velhas e resíduos florestais e voltar a fazer replantação. O que aconteceu no Pinhal Interior, foi exactamente isso: o que se plantou nos anos 70 e início de 80, neste momento não tem rentabilidade, porque é preciso novo investimento.

É preciso arrancar?
Ou então aquilo fica ao abandono e pode lá passar o fogo a cada dez anos porque nesse período cria-se combustível suficiente para arder. O eucalipto não precisa sequer que se intervenha, pois ele recupera rapidamente após o fogo. O eucalipto é um problema que tem muito a ver com a falta de explicação e de informação às pessoas de que aquilo é rentável, mas pouco.

Há especialistas que dizem que o problema é não apenas económico, mas também ambiental. É uma espécie que promove, progressivamente, o empobrecimento e desertificação do solo e o desaparecimento dos aquíferos. Economicamente, há regiões onde as plantações arderam tantas vezes que nunca se tirou qualquer rentabilidade n

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