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“No Arquipélago não existe espaço para a encenação, tudo é real” - João Ferreira, fotógrafo

30 out 2015 00:00

Este sábado, dia 31, às 16 horas, o fotógrafo estreia a exposição de fotografia "Arquipélago", na Arquivo Livraria, em Leiria

Foto: João Ferreira - Auto-Retrato Dupla Exposição
Foto: João Ferreira - Auto-Retrato Dupla Exposição
Foto: João Ferreira - Auto-Retrato Dupla Exposição
Jacinto Silva Duro

Como surgiu a ideia de fotografar um território de tantos contrastes como Cabo Verde, para esta exposição a que chamou Arquipélago e que vamos poder ver na Arquivo Livraria, a partir de sábado, dia 31?
A exposição Arquipélago surgiu como o primeiro trabalho para um projecto que tenho idealizado, onde o intuito é de percorrer num futuro, a médio-longo prazo, vários países de língua oficial portuguesa. Pretendo documentar, através da fotografia, esses povos e a heterogeneidade das suas culturas, onde a influência dos portugueses ainda é bastante notória.

Realizado na Primavera de 2015, nas ilhas de São Vicente e Santo Antão, apresenta-nos “uma visão despida de filtros e ilusões, que demonstra a força da fotografia na documentação de uma realidade de um país jovem, a comemorar 40 anos de independência”. Que ilusões e filtros acredita que se costuma colocar em retratos deste tipo?
Essa afirmação surge na memória descritiva da mostra, como um género de uma metáfora, para acentuar o quão crua e directa é a minha fotografia, onde o que é realmente importante perpetuar são as pessoas e as vivências fotografadas. Neste trabalho, não existe espaço para a encenação, tudo é real, exactamente como se o observador estivesse nesses locais e é essa a mensagem que espero que passe, quando as pessoas forem visitar o Arquipélago.

Nos trabalhos fotográficos que nos tem apresentado, como 1.3 Billion, sobre a China, é possível separar o território do indivíduo? Ou são duas faces interligadas da mesma realidade?
Ambos os projectos jogam propositadamente com o sujeito retratado no seu habitat. O primeiro na China e este num país do continente africano. São claramente duas faces indissociáveis, visto serem dois trabalhos realizados em espaços “exóticos” e houve a intenção de mostrar todo esse exotismo dos territórios onde desenvolvi estes projectos. A fórmula é basicamente a mesma, dado que podemos inseri-los na mesma linguagem fotográfica. No entanto, o Arquipélago comparativamente com o 1.3 Billion, assenta num cariz ainda mais humanista, tendo havido sempre uma interacção directa com as pessoas, fruto da facilidade em dialogar na mesma língua com os habitantes das duas ilhas de Cabo Verde [São Vicente e Santo Antão]. Sinto que aprendi mais com este trabalho, com estas pessoas, com as suas vivências e dificuldades, sendo que isso sente-se nas fotografias e espero que transpareça essa energia para quem as visionar.

O amor pela música, pelo futebol e pelo mar são algumas das coisas que focou neste trabalho. Serão as características mais patentes naquele espaço, ou há outras dimensões que, numa exposição futura, quererá abordar?
A escolha para ter desenvolvido este projecto nas ilhas de São Vicente e Santo Antão foi de forma a captar a essência mais pura dos cabo-verdianos e fugir ao ruído das ilhas mais turísticas como o Sal, a Boavista e até Santiago. Essas três características foram as que senti com mais intensidade. A questão da música é facilmente justificada, ou não fosse o Mindelo a terra natal de Cesária Évora, que deixou inúmeros discípulos. À noite depois do jantar, podemos ouvir música ao vivo em alguns locais no centro da cidade. A música é o elemento mais rico e vivo da cultura cabo-verdiana. O futebol, porque a cada canto há uma baliza, uns miúdos a jogar à bola ou numa aldeia como Salamansa que, com pouco mais de mil habitantes, consegue fazer num dia de festa, um torneio com várias equipas seniores, com uma assistência que envergonha o nosso campeonato da I Liga. Quanto ao mar, é uma característica muito abrangente… há toda uma vida complexa em torno desse elemento. Desde a actividade piscatória, à boa gastronomia e à praia… sempre a praia e as festas que se fazem nesse espaço. Recordo o 1.º de Maio em que, na Baía das Gatas, o espaço encheu-se de são-vicentinos, levando tendas e fogareiros para cozinhar a melhor cachupa e a seguir forma participar numa espécie de concurso de mergulhos.

Costuma falar-se muito na “africanidade” dos povos africanos… coisa estranha de se dizer de um continente onde caberiam três Europas e ainda sobraria espaço. E portugalidade? Encontrou sinais dela?
Respira-se portugalidade. Fala-se portugalidade. A língua é o sinal mais evidente da herança portuguesa nesse território, mas também podemos sentir essa portugalidade na arquitectura colonial, na cultura e até na gastronomia. É muito fácil sentimo-nos em casa.

Quando fotografa alguém, o fotógrafo rouba-lhe a alma?
Não, de todo. Isso é um mito! Quando fotografa alguém, o fotógrafo perpetua essa pessoa, faz-lhe uma homenagem, documenta o momento.

Perfil
Paixão pela fotografia

João Ferreira é um leiriense de gema. “Nasci, estudei e trabalho na cidade.” A fotografia acompanha-o num percurso intermitente e paralelo a todas as suas outras actividades, desde a década de 90. “É algo que resulta de um gosto extremo pela imagem e pela sua estética e pela magia de poder congelar num instante aquele retrato ou numa vertente mais artística... mostrar o que não vemos.” Profissionalmente, está ligado à indústria de moldes desde 1997. Este sábado, dia 31, às 16 horas, o fotógrafo estreia a exposição de fotografia Arquipélago, na Arquivo Livraria, em Leiria. A mostra mantém-se no espaço até 29 de Novembro.