Desporto

No horizonte de Auriol estão mais recordes e medalhas para honrar o País

26 jun 2020 09:54

A residir em Leiria e a treinar com Paulo Reis, Auriol Dongmo é a melhor mundial do ano no lançamento do peso

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Nascida nos Camarões, Auriol quer agradecer a Portugal a forma como foi recebida
Ricardo Graça

Combinámos com Auriol Dongmo no Centro Nacional de Lançamentos. À hora marcada, lá estava, a assistir ao treino de um colega.

Das outras vezes que tínhamos falado com ela, a comunicação tinha sido feita numa mistura entre português, inglês e francês, mas a atleta nascida nos Camarões surpreendeu-nos, expressando-se na língua de Camões de forma escorreita. Modesta, respondeu com um sorriso tímido aos nossos elogios. “Não falo assim tão bem, mas já sei cantar o hino!”

Chegou ao País há pouco mais de três anos, vinda de Marrocos, à procura de melhores condições de treino e de estar próxima de Fátima, e já revolucionou por completo o panorama do lançamento do peso em Portugal.

Na verdade, desde que o processo de naturalização foi concluído, em Outubro, já bateu por quatro vezes o recorde nacional e fê-lo saltar quase dois metros. A última das quais na passada na quarta-feira (19,27 metros).

Foram, por assim dizer, duas bombas que caíram no meio do atletismo nacional. O registo, que garantiria a qualificação olímpica se a janela para a obtenção de marcas não estivesse encerrada, foi alcançada no decorrer da prova Guerra dos Sexos, em Leiria, no Centro Nacional de Lançamentos, o local onde treina todos os dias. É a melhor marca mundial do ano.

“É triste pensar que dás todo o teu tempo e todo o teu coração para defender uma bandeira e há gente que não aceita, que te continua a chamar estrangeira”

Auriol Dongmo

Por muito impressionante que seja, a verdade é que o resultado não a surpreendeu. Nem ao treinador. Na verdade, parece que as três semanas de confinamento lhe deram o descanso necessário para poder, depois, começar a treinar com todo o empenho e disponibilidade.

“Durante a quarentena quase não treinei. O que fiz foi em minha casa, que é um T0, e não tenho muito espaço para fazer grande coisa. Só fiz mobilidade, core e reforço com elásticos. Não podia fazer força, técnica muito menos”, explica Auriol Dongmo, que reside com o filho.

Por isso, logo que foi possível regressou aos treinos e as sensações foram ao encontro do que pretendia. “Acho que o corpo precisava de descansar e a quarentena foi uma coisa boa para mim.”

Quando o peso começou a voar longe ficou surpreendida, “claro”, mas não foi mais do que a consequência de trabalho profissional em cima de um corpo mais folgado.

“A quarentena acabou por ser uma oportunidade para trabalharmos ainda melhor. Éramos muito poucos, estávamos completamente focados, e ela foi-se adaptando. É muito ambiciosa, nunca está contente, e nos treinos as coisas começaram a correr bem. Logo em meado de Maio já sabíamos que quando fizesse uma prova havia uma grande possibilidade de bater o recorde. Houve um treino em que fez 12 lançamentos e em 11 ultrapassou os 18 metros”, admite o treinador, Paulo Reis.

Em grande forma e com vontade de vencer, Auriol segue ambiciosa para os próximos tempos. Muito bem, não haverá grandes provas estes anos, os Jogos Olímpicos e os Europeus foram adiados, mas há outras metas a atingir. “Quero chegar sempre mais longe. Vinte metros? Por que não? Na minha vida tenho sempre esperança que as coisas corram bem e vejo sempre o lado positivo.

Mas se em 2020 não há medalhas para conquistar, Auriol Dongmo, que foi bicampeã africana e finalista olímpica enquanto representava os Camarões, espera que a oportunidade de “conquistar medalhas” por Portugal em grandes provas surja a curto prazo.

"Seja num Campeonato da Europa, num Campeonato do Mundo ou nuns Jogos Olímpicos, é para isso que trabalho todos os dias, com todo o coração e toda a minha energia.”

Quer honrar a Cruz de Cristo que enverga ao peito e acredita que o vai conseguir treinando em Leiria, uma “cidade perfeita para se viver”. “Não posso esquecer que foi Portugal que me permitiu ter uma melhor vida.”

Apesar de tudo, custa-lhe aceitar que estes processos não sejam consensuais. “O que é difícil, quando trocas de nacionalidade, é que nem toda a gente gosta de ti. É triste pensar que dás todo o teu tempo e todo o teu coração para defender uma bandeira e há gente que não aceita, que te continua a chamar estrangeira. Mas isso vai passar.”