Abertura
No país do pinhal, já falta pinho para a indústria do mobiliário
Alerta | A região e o pinhal sempre tiveram uma ligação forte, que se confundia com a identidade local. Os pinheiros pareciam omnipresentes na paisagem, porém na última década, os pinhais quase desapareceram
Ao fazer um passeio fora das cidades, para onde quer que olhemos, parece que o pinhal à beira-mar plantado, imagem de marca ficcionada de Portugal, ainda existe.
Sim, há árvores a perder de vista, mas muito poucas delas são pinheiros, bravos ou mansos. Ou dito de outra forma, Portugal já quase não tem pinhais.
A situação é tão grave que, no mês passado, a Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal (AIMMP) fez uma reunião urgente com os associados para discutir soluções para a falta de pinho para a construção de mobiliário.
Boa parte das empresas está a importar a madeira de França e Espanha, com custos exponencialmente aumentados pela escalada do preço dos combustíveis, e muitas já encerraram.
Segundo o Centro Pinus, Portugal importou no ano passado 57% do pinho utilizado pela indústria.
Há desilusão e revolta na voz de Manuel Duarte. “Há 15 anos, investi cerca de quatro milhões de euros em máquinas e num novo pavilhão e isso deu-nos capacidade concorrencial”, recorda.
Agora, porém, o perigo vem dos custos acrescidos de produção com a aquisição de matéria-prima.
“O pinho nacional foi desbaratado pela indústria de pellets e para paletes. Resta-nos comprar mais caro em França e Espanha. As empresas de mobiliário correm o risco de falir devido aos preços da madeira e à especulação”, assevera.
O empresário do sector do mobiliário, sediado em Vilar dos Prazeres (Ourém), adianta que, na “capital do móvel” da região, para piorar a situação, a matéria-prima demora, em alguns casos, dois meses a ser entregue e o preço será sempre o praticado quando a mercadoria chega.
“Há-de ser o que Deus quiser”, diz, salientando que, para si, a maior preocupação são as 40 pessoas a quem tem de pagar salários e dar o que fazer. “Enquanto isso, tenho de pagar impostos porque, se não o fizer, o Estado vem logo bater-me à porta!”
Destaque
Como foi que aqui chegámos?
O escritor e ensaísta Eduardo do Prado Coelho escreveu que a língua portuguesa é um idioma que nasceu sussurrado, por entre os pinheiros, junto ao mar.
O que nos leva à dúvida, se os pinheiros e as suas plantações são tão omnipresentes na nossa portugalidade, como foi que chegámos a esta situação?
Os fogos florestais que redobraram de intensidade e consumiram cada vez mais área desde os anos 80, vêm-nos imediatamente à mente. Mas serão eles a causa do fim dos pinhais?
"O menor problema na falta de madeira de pinho são os incêndios!", garante Pedro Serra Ramos, presidente da Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente (ANEFA).
Sim, é verdade que largas áreas de plantação de pinheiros desapareceram feitos em cinza, mas tudo isso poderia ter sido acautelado.
“Desde 2005 que a ANEFA chama a atenção para a principal razão: corta-se e jamais se repõe.”
O problema agudiza-se quando 97% da mata está nas mãos dos privados, que, compreensivelmente pretende ter lucro com ela.
Ardeu mais área verde do que a que existe hoje
Em três décadas, arderam 3,9 milhões de hectares de matas e plantações e existem 3,2 milhões de hectares de mancha verde actualmente. Destes, 845 mil hectares são de eucaliptos, não contando os “matos”, nome dado à mistura de pinheiro e eucalipto que, normalmente, aparece desordenada, após os incêndios.
Sobreiro: 720 mil hectares.
Pinheiro-bravo: 713 mil hectares.
Nota: o último censo do ICNF e Ministério da Agricultura é de 2015 e não contabiliza as áreas perdidas nos fogos de 2017, nem a replantação e propagação natural do eucalipto
O responsável adianta que, nos anos mais recentes, além da praga do nemátodo, o abate de madeira de pinho para a indústria, seja de paletes, mobiliário ou pellets aumentou e nunca houve a intenção clara ou esforço para replantar os pinhais ardidos ou abatidos.
E as plantações de pinho não são caso único. Também as florestas que poderiam fornecer madeira nobre e de valor superior, a partir das espécies originárias de Portugal, quase desapareceram.
Segundo dados do ICNF e Ministério da Agricultura, nas últimas décadas ardeu mais mata do que a mancha verde que existe actualmente em Portugal, isto é, desapareceram 3,9 milhões de hectares.
Hoje, existem 3,2 milhões de hectares de mancha verde.
Ao contrário do eucalipto, que tem por detrás uma máquina oleada que encaminha os produtores florestais para a monocultura desta espécie, o cluster do mobiliário não se tem preocupado com o pinho e o resultado é a escassez da matéria-prima e uma dispendiosa importação de madeiras.
“Muitas pessoas acreditam que tiram mais rendimento do eucalipto, simplesmente, porque não fazem as contas. Hoje, é possível lucrar com pinheiros-bravos com 12 anos e auferir valores superiores aos do eucalipto”, esclarece o presidente da ANEFA.
Pedro Serra Santos alerta para outra questão que se prende com a mudança no perfil socio-económico da população.
“Normalmente, quem planta, não é quem recebe o dinheiro. Antigamente, havia a preocupação de deixar bens para os filhos e netos e alocava-se parte do lucro à replantação. Hoje, porém, como há mais dificuldades a fazer frente às despesas do dia-a-dia, isso não acontece.”
Já Vítor Poças, presidente da Direcção na AIMMP, reconhece a urgência do problema. De facto, já antes alertara o JORNAL DE LEIRIA que, nos últimos anos, em especial em 2017, arderam os últimos ‘baluartes do pinho’.
“O que se passa é a uma conversão do que era pinho para eucalipto”, diz.
Pelas suas contas, “com cerca de metade da área de eucalipto plantado em Portugal, se ele fosse apurado e colocado em áreas que lhe são propícias, era possível ter as árvores necessárias com menos custos ambientais”.
O presidente dos fabricantes de mobiliário revela que muitas empresas faliram e o sector dificilmente voltará a ter uma posição de destaque. Portugal, que já teve 1200 serrações, tem agora 350.
“Para o futuro? Queremos mais quantidade de pinho, carvalho e espé- cies nobres, mais qualidade, menor preço e mais rendimento para os proprietários florestais.”
Presente na reunião da AIMMP, o secretário de Estado das Florestas, João Paulo Catarino, não referiu metas para o pinheiro, embora tenha mencionado apoios à reflorestação, assumindo que o ICNF pretende replantar 12 mil hectares da área ardida nas matas litorais, até ao final de 2024. Na Mata Nacional de Leiria, onde o fogo de 2017 reduziu a cinza 9476 dos seus 11 mil hectares, o Estado aponta para rearborização e aproveitamento da regeneração natural de 6504 hectares.
“O problema começa logo ao chamar-se ‘francês’ ao carvalho português”
A escassez de pinho poderia ter sido acautelada há duas décadas. Em 1999, os empresários do mobiliário e sector da madeira reuniram-se em Tróia e desenharam o Plano de Sustentabilidade da Floresta Portuguesa, que previa a reflorestação com dez mil hectares por ano com novos pinheiros.
“Mas esqueceram-se de traçar um plano financeiro para o fazer”, recorda Serra Santos. Actualmente, a plantação de novas árvores, de todas as espécies, não chega aos quatro mil hectares anuais.
“E aí o eucalipto é rei!”. O dirigente sublinha ainda a falta de noção dos produtores da riqueza da floresta nacional. “O problema começa logo ao chamar-se ‘francês’ ao carvalho português.”
Isto é, na imaginação colectiva, só em França é que há carvalho desse e, como não se planta e explora cá, importam-se milhões de euros de madeira.
Espécies como o “carvalho francês” ou alvarinho, são autóctones de Portugal, contudo, não há preocupação em produzi-lo convenientemente, segundo técnicas que permitam a sua exploração pela indústria do mobiliário.
“A maior parte das vezes, o carvalho nacional é usado apenas como lenha para a fogueira”, resume o presidente da ANEFA.
Até 1930, a maior parte da floresta nacional era constituída maioritariamente pela família dos quercus - sobreiros, carvalhos, azinheiras, castanheiros, entre outras -, contudo, o Estado Novo elegeu o pinheiro como a árvore com maior interesse económico.
Largas manchas de carvalho, sobreiro e castanheiro, como a que existia na zona do actual Pinhal Interior, e, de modo geral, em todo o País, foram abatidas para a plantação do pinheiro-bravo.
Até aí, a maior área com este tipo de espécie eram as matas do litoral, como o Pinhal de Leiria/Pinhal do Rei.
Apesar disso, com o passar dos anos, as novas gerações, nunca conhecendo o Portugal dos carvalhais, habituaram-se à ideia de que o pinheiro era tão português quanto... o bacalhau.
No final dos anos 60, o regime de Salazar e a indústria da celulose, elegeram como nova árvore de predilecção o eucalipto. De então para cá, o pinhal começou a desaparecer.
“Temos de deixar de chamar ‘floresta’ às plantações. Pinhais e eucaliptais são plantações. Monoculturas com um impacto negativo para o ambiente.” O arquitecto paisagista João Marques da Cruz pega nas palavras de Pedro Serra Santos e reafirma: “antes de plantar, é preciso fazer as contas!”
Isto porque o lucro que pode parecer fácil e imediato, acaba por não o ser, se forem pesados todos os factores de produção da monocultura intensiva.
Que pinhal precisamos para o século XXI?
No actual cenário de alterações climáticas, os pinhais têm de estar mais adaptados às condições naturais do território, de modo a necessitarem de menos manutenção e intervenção humana, entende o arquitecto.
“Por exemplo, o território de Figueiró dos Vinhos pela sua secura, pela dureza dos seus solos e pela inclina- ção das suas encostas, não tem aptidão natural para o cultivo de pinhal e insistir é criar problemas sem solução, despesa sem fim e, muito mais grave e inaceitável, criar condições que criam insegurança do território e dão origem a incêndios que matam pessoas, como acontece todos os anos.”
João Marques da Cruz alerta que também não é possível manter um pinhal contínuo da Nazaré à Figueira da Foz, sob risco de um incêndio igualmente contínuo.
“O pinheiro-bravo não é a árvore natural das dunas litorais, é uma plantação e tem de ser ordenada como tal. Os talhões de cultivo devem estar bem compartimentados com a vegetação não resinosa de baixo risco de incêndio, que se adapta bem a esta zona.”
Além disso, afirma, as matas autóctones asseguram o ciclo de água, o ciclo da matéria orgânica, a biodiversidade, o equilíbrio climático e o baixo risco de incêndios e produzem madeiras nobres, cortiça, vários subprodutos e valorizam o território.
“Para manter o cultivo do pinhal, como se pretendeu no século XX, seria necessário um exército de bombeiros em cada pinhal, o que não é economicamente viável, a menos que seja o Estado a pagar os bombeiros, enquanto os produtores vendem a madeira.”